A potência que precisamos é quase sempre aquela que temos disponível debaixo do pé
Este é um tema muito debatido por fãs de automóveis. Não me recordo do número de vezes que veio à baila e quando foi a primeira vez. Mas foram muitas e há muito tempo. É certo que o conceito de potência suficiente varia consoante os gostos e “necessidades” de cada condutor, mas varia, principalmente, consoante o peso do carro que tem de movimentar. Assim, com automóveis cada vez mais completos, com mais equipamento de conforto e segurança, cada vez maiores e por tudo isso, mais pesados, também os motores têm de ser, obrigatoriamente mais potentes.
Até aí concordo. Se há alguns anos, um pequeno utilitário com 100 cavalos era um desportivo respeitado, actualmente, um modelo do mesmo segmento precisa do dobro da potência para ter direito ao mesmo estatuto. Assim de repente, vem-me à cabeça um Peugeot 106 Rallye e o actual Ford Fiesta ST, dois pequenos carros muito respeitados por quem gosta de conduzir. Mas isto é apenas uma pequena parte da questão, aplicada a um segmento específico, que escolhi, porque gosto. A outra vertente da discussão é bem mais abrangente, pois aplica-se a todos os automóveis à venda no mercado. Actualmente, qual o número mágico, suficiente para se desfrutar de uma condução mais dinâmica, se é que tal número existe?
Isto leva-me ainda a outra questão. Usamos os nossos carros nas estradas públicas e por isso, na equação, entra também o factor da potência utilizável. O que é melhor? Ter mais potência e só poder usar 50% dela ou, por outro lado, ter um carro mais fraco e, com as devidas condições, usá-la toda e poder andar, em alguns momentos, “sempre a fundo”? Para esta questão, não sei, garantidamente, a resposta. Mas no mundo da competição, em particular, as corridas de troféu monomarca são a prova de que a potência não é tudo. Os carros em questão até podem andar pouco, mas é “prego a fundo”, sempre, e as condições são iguais para todos. O espectáculo está garantido, pois o vencedor será aquele que melhor souber aproveitar os, por vezes, escassos cavalos do motor. Assim, em ambiente de corrida, potência nem sempre é garantia de um espectáculo interessante. Mas e voltando à estrada?
Exóticos. Para fazer o quê?
Tenho guiado automóveis muito bons. Faltam-me muitos, obviamente. Longe de mim pensar que os conheço a todos. Conheço poucos, até, mas quero conhecer muitos. Muitos mais. No entanto, conheço os suficientes para saber que, muitos deles, são demasiado potentes para o dia-a-dia. Sim, adorava ter um Alfa Romeo Giulia Quadrifoglio, mas sinceramente, um Giulia de 200 cavalos servia-me perfeitamente. Gosto muito do 911 da Porsche. Especialmente dos GT3. Mas até o Carrera S anda demasiado. Tudo isto para dizer que muita potência requer condições à altura. E essas condições, considerando os andamentos impressionantes de muitos dos automóveis modernos, não estão nas estradas por onde circulamos. Para espremer os 60 cavalos dos nossos primeiros carros, com alguns imprevistos pelo meio, chegam bem. Mas para usufruir de tudo o que agora oferecem os carros actuais, não chegam. Ainda para mais, somos entusiastas, somos fãs. Temos o gosto, mas nem sempre o talento.
Isto leva-me aos automóveis exóticos. O topo dos topos. Quem não gosta deles? Quem não sonha? Quem não os quer? Eu. Aliás, deixem-me reformular. Eu também os quero, mas não é pela potência avassaladora, pelos 340 km/h e pelos 3,5 segundos de 0 a 100 km/h. São incríveis, e um sinal de que algo muito bom tinha acontecido na minha vida, mas com 2 centímetros de altura livre ao solo e com a largura de um Panzer, não passam disso, exóticos. Só num autódromo ou aeródromo o deixam de ser. Aí sim, são automóveis menos exóticos e máquinas mais conduzíveis. Admiro-os pela grandeza da potência e não tanto pelo andamento que ela permite. Quero conduzi-los, quero sentir a aceleração, mas duvido que me dêem o mesmo gozo e prazer que outros modelos com 3 vezes menos potência e com um preço 10 vezes inferior.
Assim de repente, se não me falha a memória, os 4 automóveis mais rápidos que guiei foram o Nissan GT-R, o Audi R8 V10 e a dupla Quadrifoglio da Alfa Romeo. E caramba, como eu gostei e gosto de todos eles, dos seus 500 ou 600 cavalos. E as saudades que tenho daquele final de tarde em Ascari. Mas a falta de talento, aliada à falta de um circuito ou estrada fechada, fez-me aproveitar uns 30 ou 40% de toda a experiência. Ou menos, até. E acho que é aí que reside o segredo. Quanto mais usufruirmos da potência e do automóvel onde esta se produz, melhor. Por isso, volto sempre ao fantástico Alpine A110, um dos mais impressionantes automóveis que já guiei. Volto sempre ao MX-5 1.5 e aos seus 132 cavalos, que anda menos que o 2.0, mas que permite andar mais tempo com o acelerador a fundo.
E volto sempre ao Caterham que guiei há uns anos, com um pequeno motor 1.6 litros com cerca de 135 cavalos e um andamento e sensações capazes de me deixar a suar e com tremores nas mãos. E o que têm estes carros em comum? Exactamente, são leves. Potência não é tudo. É apenas parte da equação. Gosto de potência e gosto de números. Mas tudo tem um limite. O condutor, os pneus, o chassis, a estrada. Por isso, mais do que números, valem as sensações. O som do motor, a comunicação com a estrada e o desfrutar do ambiente à sua volta, a ligação à máquina, através do volante, pedais e caixa. Tudo isso é mais importante do que a potência. A não ser que essa potência sejam os 420 cavalos de um Porsche 718 Spyder.
Segue-nos no Instagram