OX, um veículo para os não-consumidores
Já ouviste falar na OX, uma startup do sector automóvel? Presumo que não, pois não é daquelas marcas que se atravessem no nosso caminho no dia a dia, se bem que subjacente esteja um objectivo de excelência, apontado a vastas regiões do nosso planeta onde vivem 3.000 milhões de pessoas e onde a mobilidade é um conceito ainda muito relativo. Por outro lado, também tem associado alguém cujo nome já não será tão desconhecido da maioria: Gordon Murray.
Sim, o conceituado Professor que, em tempos, foi Director Técnico na Fórmula 1, primeiro na Brabham, com quem alcançou dois Campeonatos do Mundo (1981 e 1983), e depois com a McLaren, garantindo três campeonatos consecutivos (1988 a 1990), parte de um bem mais vasto palmarés no universo do motorsport. O mesmo que depois fundou a McLaren Cars Limited, para em 2005 criar a sua própria empresa de design, engenharia, protótipos e desenvolvimento de veículos, a Gordon Murray Design Ltd, criadora, entre outros do híper-desportivo T.50, o automóvel de estrada mais aerodinâmico de sempre!
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Então e o que tem o OX a ver com o T.50? Absolutamente nada! É, aliás, o completo oposto dessa brutal viatura toda ela híper-vitaminada, resultado de uma concepção pensada ao nanómetro, um elaborado chassis onde assenta um bloco V12 Cosworth GMA de 3.994 cc, com 450 Nm de binário, qual relincham os 650 cv a uma rotação máxima de 12.100 rpm, entre outros pergaminhos, entre eles a tal aerodinâmica assente em 6 aero modes, que lhe alteram o modo como perfura o ar, permitindo-lhe prestações de sonho, nomeadamente se utilizado em estradas dignas desse nome.
Já o OX destina-se a percursos a que dificilmente chamaríamos de caminhos, quanto mais de estradas, conceito também ele com assinatura dos estúdios de Murray, sendo aqui um pequeno veículo de carga, de formato quase quadrado, com quatro rodas nas suas extremidades e um banco de três lugares – é conduzido no do meio – numa proposta verdadeira low-cost para uso em regiões/países de baixo teor de desenvolvimento. Com capacidades assinaláveis – cerca de 2 toneladas de capacidade de carga, pode transportar 13 pessoas ou acomodar 8 bidons de 200 litros ou ainda três europaletes – o OX atravessa os terrenos mais pedregosos, incluindo cursos de água e rios de correntes pouco violentas, mesmo abdicando de uma mais cara transmissão 4×4, tecnologia que o tornaria mais pesado e também roubaria espaço.
Curiosidade é o seu design, do tipo flat-pack, conjunto de peças que são entregues aos potenciais clientes em duas caixas, semelhantes às que trazemos da IKEA, uma com o motor (um bloco diesel Ford de 2,2 litros) e a caixa de velocidades, a outra com a carroçaria, chassis, rodas e restantes peças, fazendo-se a montagem final pelos próprios, aquando da sua recepção. A BBC News publicou um vídeo que, em modo timelapse, resume as cerca de 12 horas que uma equipa de três pessoas precisou para esse processo.
Mudar o paradigma da mobilidade noutros pontos do planeta
O conceito nasceu da indignação de Sir Torquil Norman, um súbdito de Sua Majestade que, no alto da sabedoria e experiência dos seus mais de 80 anos, assume hoje um papel de filantropo, devotando o seu tempo e algum capital a projectos de caridade e de interesse a franjas de populações menos abençoadas com os rastos da evolução. Quando se apercebeu que apenas 20% da população do planeta teria acesso a um qualquer tipo de veículo motorizado – algo que lhe pareceu uma espécie de crime – criou a Global Vehicle Trust, ambicionando ajudar o mundo em desenvolvimento na criação de mobilidade a custos acessíveis.
Entrou, depois em contacto com Gordon Murray e encomendou-lhe o OX, tentando, assim, alcançar algo que nenhum construtor automóvel do planeta conseguiu até à data, um veículo que, tal como a sua denominação do mundo animal – para quem não souber, “ox” é “boi” em inglês – se mostra verdadeiramente adequado ao extremo rigor de áreas tão vastas, de continentes como a África ou Ásia. Locais que, a grande maioria dos moradores do dito mundo desenvolvido, apenas conhece dos filmes, sendo raros os que se viram in loco com essas inegáveis realidades inerentes à mobilidade, ou à dificuldade de a alcançar no domínio sanitário, de distribuição de alimentos, medicamentos, educação, entre outras necessidades de transporte.
Nascido em 2013, o projecto tem vindo a desenvolver-se gradualmente, fruto de apoios oriundos dos mais diversos quadrantes, sendo de destacar o montante de £ 1,2 milhões (cerca de € 1,4 milhões) recentemente atribuído por reputadas entidades no Reino Unido, e que permitem que esteja já em andamento, para o OX e para determinados mercados, o seu processo de electrificação, assegurado em conjunto com a Potenza Technology Ltd., algo que depende, naturalmente, da respectiva dotação dos países em termos de infraestruturas de carregamento, sejam elas mais básicas (geradores) ou avançadas (wallboxes, carregadores, simples ou do tipo super).
Ruanda como palco do projecto-piloto do OX
Curiosamente, foi o Ruanda o país escolhido para estrear e avaliar o inigualável OX, num projecto piloto que arrancou este ano, ali circulando algumas unidades Diesel, transportando-se bens valiosos tais como rações para animais, arroz, café e material escolar, entre outros. Ambicionando tornar-se no primeiro ecossistema de transporte do planeta, a utilização do OX é operada através de uma app dedicada, assente na rede móvel (ainda 2G) deste país da África Oriental, pagando-se o serviço segundo a utilização. Sob a máxima dos custos controlados, providencia-se um transporte acessível a quem nunca teve um veículo, ou sequer pôde pensar tê-lo, usado e muito menos novo, ao mesmo tempo que se criam oportunidades de desenvolvimento social e económico.
“Consideremos o actual mercado de carros elétricos. Muitas empresas – da Tesla à Ford – estão a desenvolver produtos que competem com os carros já existentes; estão a vender estes produtos na chamada economia de consumo, onde a concorrência é elevada e o mercado está saturado. Mas, e se visassem os não-consumidores? E se se concentrassem sobre a maioria das pessoas no nosso planeta para quem transporte e mobilidade são uma luta diária? Pode não ser fácil, mas a oportunidade para um produto acessível é vasto.” Quem o afirma é Clayton Christensen, reputado Professor do Harvard Business School, conhecido pelo seu estudo sobre inovação dentro das grandes empresas e também pelo seu livro “O Dilema da Inovação – Quando as Novas Tecnologias Levam Empresas ao Fracasso”, onde aborda a teoria da “Inovação Disruptiva”, demonstrando o sucesso que empresas excepcionais podem alcançar, fazendo tudo certinho e, ainda assim, perder a sua posição de liderança de mercado – e até mesmo falhar – à medida que surgem novos concorrentes, ascendendo, inesperadamente, aos lugares de topo, passando, com isso, a controlar o mercado.
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Haverá, no nosso planeta, segundo a Global Vehicle Trust, cerca de 3.000 milhões de pessoas que nunca irão comprar um veículo, seja ele novo ou usado. São os chamados não-consumidores, grupo que vive, predominantemente, em mercados emergentes e para quem o conceito de mobilidade é uma quase utopia, lutando diariamente com a falta de financiamentos, de infraestruturas e de tecnologias de apropriação. Com acesso limitado a necessidades básicas, como sejam alimentos, água, medicina, educação e transportes, numa rede também ela pouco fiável, ao colocar-se esses não-consumidores na vanguarda do processo de desenvolvimento, poder-se-á contribuir para que se registem alterações positivas e o surgir de oportunidades… como as inerentes ao OX!
Fotos: Oficiais – OX/Global Vehicle Trust, Gordon Murray Design