O “meu” inesquecível 106 Rallye nos 30 anos do Peugeot 106
Os aniversários não param de se suceder. É tanto bolo & champagne que qualquer dia o pessoal não desfila, rebola! Uma das próximas festividades acontecerá a 12 de Setembro próximo, quando o Peugeot 106 cumprir 30 anos de vida, e que vida!!! O Musée de L’Aventure Peugeot já prepara uma exposição temática dedicada àquele que foi o primeiro automóvel da “Geração 6” da marca de Sochaux, desenvolvido para alargar a oferta entre os pequenos citadinos, num segmento B que, no início dos anos 90, representava mais de um terço do mercado europeu.
Foi, à altura, apresentado como “uma esfera de simpatia envolta em sorrisos e vestida com encanto”, ou como um “concentrado de elegância”, mas eu que com ele privei de muito perto chamo-lhe mais “um adorável leãozinho endiabrado”, ou “um peso pluma nervosinho, com genica para dar e vender”! Porquê? É só ler o que se segue…!
Eu, o 106 Rally e o “Vinho do Porto” de 1993
Ainda há cerca de um mês que se correu cá o Rali de Portugal 2021, vindo-me à memória – e sim, eu já sou antigo…! – a época em que havia chegado ao sector automóvel, ainda muito longe dos actuais processos digitais e de envio online de textos ou fotografias, quando a coisa, neste último caso, ainda se fazia… por rolos! Para quem não saiba, eram uns cilindros de metal e plástico, enrolando-se no seu interior umas películas acastanhadas, que se ficassem mal colocadas na máquina ou expostas à luz deitavam a perder todo um ou mais dias de trabalho!
Estávamos a 3 de Março de 1993 – ou seja, pouco mais de ano e meio depois da apresentação do 106 original – sendo eu, na altura, um (ainda) jovem escriba, compondo textos para uma revista de automóveis hoje desaparecida, sobre (quase) tudo o que fosse motorsport. Chegara a tão ansiada data da prova maior do nosso automobilismo de estrada, pelo que lá íamos uns quantos para o terreno, para acompanhar a prova in loco, precisando-se, em especial, de alguém que pudesse servir de… estafeta!
A 1ª Etapa dessa safra de 1993 do “Vinho do Porto” – referência ao então grande patrocinador da prova – começava a uma 4ª Feira, no Estoril, terminando já noite dentro na Póvoa de Varzim, quase no extremo norte do país. Estando as rotativas de impressão em Lisboa, havia que cumprir com os timings de produção dessa referência semanal que, à altura, saía para as bancas às 6ªs Feira, pelo que me coube ir lá acima buscar as tão valiosas imagens, tiradas pelos profissionais da altura.
Saindo de Lisboa, de manhã bem cedinho nesse saudoso dia, saiu-me na rifa levar um Peugeot 106 Rallye, de 1ª geração, acabadinho de chegar ao mercado e estacionado frente à editora. Era uma unidade branca – também o havia em vermelho ou preto, as únicas 3 cores do catálogo – cor apenas cortada pelas 4 listras da decoração da então Peugeot/Talbot Sport, que uma vez aberta a porta mostrava um interior por demais espartano, em que saltava à vista o vermelho que forrava o piso, contrastante com os estofos estampados dos bancos escuros. Igualmente simplista era o equipamento, abdicando de coisinhas hoje tão comuns, resumindo-se ao essencial: à minha frente havia um volante de 3 raios (à moda antiga, sem airbag), o cluster da instrumentação (analógico, claro!) e os 3 pedais; logo à mão estava a manete da fiável caixa de velocidades e um auto-rádio. Era um soberbo chassis assente em 4 rodas e que contava com um motor…ZÃO. Já lá vamos!
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Ainda com os pés assentes na terra, fiz uma primeira viagem até ao norte, já fazendo algumas festinhas ao leãozinho, em grande parte, pela A1, numa versão diminuta da versão actual (era o que havia), entrecortada com uma ou outra paragem pelo caminho, de modo a observar de perto os maquinões da altura, entre eles os oficiais Lancia Delta HF Integrale 16V, Ford Escort RS Cosworth, Mitsubishi Lancer Evo I e Subaru Legacy RS, bem como a trupe nacional, encabeçada por uma luta que neste ringue também era “Ford vs Lancia”, protagonizada pelos pugilistas Fernando Peres e Jorge Bica, respectivamente.
Foi, assim, na Póvoa de Varzim e ao final desse primeiro dia, que recolhi aqueles valiosos rolos fotográficos, para que, na manhã seguinte, os pudesse trazer de volta à capital. Só que não o fiz directo, nada disso! Antes fiz uma perninha nas estradas regionais da região de Fafe, pois não há como estar ali tão perto e não ir rezar à Catedral! Serras acima, serras abaixo, estradas nacionais, regionais e outras que tais feitas como se de um rali paralelo se tratasse, tantas vezes prego a fundo, com ultrapassagens quase no limite e curvas em que se rezavam aos santinhos para que nada aparecesse em sentido contrário. Hoje, pensando bem no assunto, vemos ser uma completa loucura, mas quando se é jovem nada nos atinge… achamos nós, no alto da nossa pseudo-invencibilidade.
Lembro-me como se fosse hoje! Esmifrei o pequenino 1.3 litros do endiabrado 106 Rallye, andando sempre perto do redline, pondo todos os seus 100 equídeos a um galopar ritmado no asfalto (e às vezes fora dele), sem que o dito alguma vez me falhasse, no frenesim do sobe e desce das rpm, nas passagens de caixa, na ligação dos pneus ao alcatrão e, principalmente, nos travões… WOWWWW… sem ABS! Este peso pluma (o conjunto nem chegava a 900 kg) era nervosinho quanto delicioso de guiar, um autêntico kart com carroçaria, a que só apetecia pedir mais e mais… e mais, levando-me de um ponto a outro enquanto o diabo esfrega um olho… dois olhos… todos os olhos!
Depois, atrasado que estava e apenas com uma bucha e um café no estômago, foi atestar o leãozinho com sangue na guelra e apontá-lo a Lisboa, cumprindo a A1 como se não houvesse amanhã, esperando não me cruzar com elementos indesejáveis ou os seus rudimentares radares da altura. Isto para chegar o mais cedo possível à loja de fotografias, na Avenida da Liberdade, para por os ditos rolos a revelar. Quase sempre no grito – dizia-se que o bichano atingia 195 km/h de velocidade máxima… como hoje se diz em certas comissões de inquérito “não… acho que não me lembro!!!” – recordo-me que fiz menos de 3 horas entre os algures no interior das serras de Fafe e o centro de Lisboa… Uffff!!!
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Uma vez cumprido o processo químico de revelação e recolhidas as fotos, ainda em papel – qual digital qual quê, não havia cá nada disso – rumava à redacção, para as entregar à paginação, e ao meu posto de trabalho, para bater, com enorme gosto, uma prosa sobre o estado do rali à altura. Uma vez entregue a quem de direito e enganando, de novo, o estômago, olhei para o pequeno 106 Rallye, dizendo-lhe: “’Bora lá outra vez???” e voltei a escalar o mapa de Portugal… em modo VRROOOOOOOOOOMMMM…!
A título de remate, recordo que esta edição do que outrora foi “O Melhor Rali do Mundo” foi ganha por François Delecour / Daniel Grataloup, dupla gaulesa que no seu Escort Cosworth foi a mais lesta em 18 das 37 PEC (1 foi anulada) – sim, as hoje conhecidas como “ES” chamavam-se, na altura, “PEC”, ou Provas Especiais de Classificação – uma estrutura competitiva hoje impensável. Impuseram-se aos seus colegas de equipa italianos Miki Biasion / Tiziano Siviero por 55 segundos, relegando para o 3º lugar o ‘Deltona’ de Andrea Aghini / Sauro Farnocchia, os melhores da casa de Turim (ficaram a 2m40s do 1º lugar), trio que bateu toda a demais concorrência. A orgulhosa posição de “Melhores Portugueses” ficaria para Jorge Bica / Joaquim Capelo, levando o Delta Integrale com as cores da Duriforte a um fantástico 8º lugar.
Quanto a mim, acho que ganhei essa competição paralela contra o tempo, sentindo-me parte dos inscritos desse outro rali disputado por todos os que, nos pára-brisas dos seus carros, tinham um autocolante a dizer “PRESS”, também ele tão particular.
106, três décadas de uma vida recheada valem-lhe estatuto de clássico
Voltando ao 106 que, a 12 de Setembro próximo, irá celebrar o seu 30º aniversário, tornando-se elegível para o estatuto de automóvel clássico, foi produzido inicialmente em carroçaria de 3 portas, surgindo a de 5 em 1992, tendo, no domínio mecânico, este tracção dianteira teve motores a gasolina de quatro cilindros da família TU, com cilindradas entre os 954 e 1.587 cc, e blocos Diesel de 1.360 a 1.558 cc, associados a uma caixa manual de 5 velocidades.
Segundo a marca, o 106 é um dos seus modelos que mais séries especiais teve, cerca de 20 ao longo dos 12 anos em que esteve à venda, destacando-se as versões “Roland Garros” e “Zenith” (1993), “Kid” (1994) com os bancos em ganga, “Cartoon”, promovido pelo personagem Droopy (de 1996 a 1999), “Inès de la Fressange” (1997) e “Enfant Terrible” (2000). Pelo meio nasciam várias versões desportivas, como o meu saudoso 106 Rallye de 100 cv (1993), versão que apenas havia à venda em branco, preto ou vermelho, (a evolução de 1997 teria mais 6 cv), ou o 106 XSI de 95 cv (1992) e 105 cv (1995) e o 106 GTI com 120 cv, de 1996. É ainda de destacar o facto de que o 106 foi a segunda proposta eléctrica da Peugeot, depois do icónico VLV de 1941. No mundo da competição, teve troféus de velocidade e de ralis, destacando-se aqui as versões 106 Maxi e S16.
Entre estas e as versões das gamas mais tradicionais, vendidas em muitos mercados do planeta, o Peugeot 106 acumulou uma produção na ordem das 2.800.000 unidades, saída de 3 fábricas francesas – Mulhouse, Sochaux e Aulnay-sous-Bois – até à sua descontinuação, em 2003.
Para festejar este 30º aniversário, o Musée de l’Aventure PEUGEOT, em Sochaux, está a dedicar-lhe uma exposição temporária, que estará patente até ao final de 2021, ali expondo 8 exemplares. Assim a pandemia o permita, deverão realizar-se alguns encontros dedicados ao aniversariante, em conjunto com associações e clubes franceses, nomeadamente o que terá ligar a 11 de setembro. Se tiver um 106 e quiser dar um saltinho até França, acompanhe os desenvolvimentos no portal ou no Facebook do museu!
Fotos: Oficiais / Peugeot, Musée l’Aventure Peugeot, AutoWP