Honda Civic Type R – Este é o tempo de o celebrarmos
Cada vez que vejo ou, melhor ainda, conduzo um Civic Type R, fico incrivelmente feliz, mas igualmente um pouco triste. É o tipo de automóvel que não tem lugar no futuro da mobilidade ou se o tem, pelo menos no futuro da mobilidade de um apaixonado por automóveis, ainda estão por criar as condições que o permitam sobreviver. É apenas mais um exemplo daquilo que a indústria automóvel japonesa é capaz de fazer quando quer. É tão bom, mas tão bom, que os anos passam e, quer-me parecer, continua a liderar o seu segmento, infelizmente, cada vez mais reduzido.
Por onde começar?
Não quero fazer deste artigo um ensaio ao Honda Civic Type R. Já o fiz, já o fizeram e já tudo foi dito sobre ele. Vou fazê-lo, novamente, mas o importante é tentar passar-vos o que este carro me faz sentir, o quão bom é, independentemente das décimas de segundo que gasta dos “0 aos 100”, da sua velocidade máxima ou dos tempos por volta quando comparado com outros brilhantes desportivos de tracção dianteira, a configuração que me importa, aquela que associo aos hot hatch de sempre e compactos desportivos como o Civic, a meu ver, bem mais radicais e soltos do que a recente moda da tracção integral e motricidade fora de série com que outros modelos vão à luta neste segmento.
Mesmo sem os conhecer a todos, tenho quase a certeza de que nenhum desses balísticos familiares 4×4 seria a minha opção sobre o brilhantismo do trabalho que a Honda fez com este seu “tudo à frente”. O motor é de outro mundo, cheio de força desde cedo na subida da rotação, mas igualmente com uma recta final fortíssima. A meio caminho, uns médios regimes que, volto a dizer, são o “sweet spot” deste motor de quatro cilindros, capazes de dar ao Civic um ritmo muito vivo numa boa estrada onde o objectivo é comer quilómetros com rapidez. O som é rouco para quem nele viaja, mas sem incomodar, soando sempre possante e potente. Não gosto, no entanto, da artificialidade que a Honda lhe decidiu dar quando aceleramos a fundo. Para quem o ouve de fora, é surpreendentemente silencioso, o que acaba por não ser mau de todo. Tem um roncar que não deixa margem para dúvidas, mas não desata aos tiros para o ar como está tão na moda. Também acho graça ao tiroteio, atenção, mas reconheço que no meio de tantas coisas que este carro faz bem, nem pensei muito nisso. Não houve tempo.
Com jeitinho e juízo, não assusta
Falo sempre dos consumos do Type R. Não porque sejam importantes para quem o conduz, mas porque chegam a surpreender, considerando que há que alimentar 320 cavalos a gasolina. Numa utilização mista, mais Civic e menos Type R, não são difíceis de conseguir médias em redor dos 8 litros/100 km. E falo sempre, também, do espaço para passageiros e bagagens, que é muito, tal como num Civic “normal”. E para finalizar os principais argumentos que fazem deste um desportivo muito utilizável no dia-a-dia, há que falar da suspensão com amortecimento variável que, no seu modo mais brando, faz do Type R um carro muito confortável, mesmo com jantes de 20 polegadas “pintadas” por uma fina e muito aderente camada de borracha Continental.
Mas no modo que mais importa, com amortecimento mais rijo, a suspensão anula por completo qualquer movimento excessivo da carroçaria, mantendo a borracha sempre em contacto com o solo e permitindo que toda a força da mecânica seja passada ao asfalto nas acelerações a fundo. Para esse trabalho contribui, igualmente, o autoblocante que obriga o eixo dianteiro a morder o alcatrão com uma força que não deixa de impressionar de cada vez que carregamos a fundo no acelerador. Este carro anda muito, mas mesmo muito, tanto que, pelo menos eu, sinto-me algo assoberbado pela sua competência global, muito além daquilo que são as minhas capacidades. Muito rápido, mas igualmente capaz de transmitir muita confiança, com um poder de travagem à altura do vigor com que ganha velocidade. E se a travagem é soberba, a direcção não fica atrás. Rápida e, se quisermos, pouco assistida, exige mãos e movimentos de braços decididos para se oporem à dose certa de resistência que oferece. É apontar e lá vai ele. Uma delícia de automóvel.
Vai deixar saudades
Outros dois elementos essenciais da condução nos quais a Honda fez um trabalho fora de série são a caixa de velocidades e os pedais. Quanto à primeira, é uma das melhores do mercado. Bastaria dizer isso, mas a sua rapidez e precisão colocam o Type R numa classe à parte, ainda que o novo punho, também em alumínio, não me tenha agradado tanto quando o antigo, esférico. E depois os pedais, bem colocados para o “ponta-tacão” – ainda que o Civic o faça por nós – mas acima de tudo muito bem calibrados, permitindo dosear correctamente as travagens, bem como fazer passagens de caixa verdadeiramente decididas, mantendo uma facilidade de utilização que se agradece para os ritmos calmos do quotidiano que se querem o mais confortáveis e fáceis possível.
Esteticamente, gosto cada vez mais do Type R. Assume o que é, não se esconde e com isso é, para mim, o Civic mais bonito de todos. Eu nem sou o maior fã do design Civic, admito, pois gosto da dianteira, mas atrás está tudo um pouco confuso. Mas neste caso tudo é diferente, pois gosto do aparato todo, gosto do tão criticado aileron, uma enorme asa que não estamos a celebrar em 2021 como celebramos a do Ford Escort Cosworth, mais de 25 anos depois. É, por isso, urgente reconhecer não só as capacidades do Type R, mas também a sua existência. O facto de ainda ser possível comprá-lo, novo. Porque não há muitos carros assim, capazes de combinar a performance que se espera de um desportivo com os argumentos de um compacto familiar. E considerando ambos os aspectos, e borrifando-me para tempos por volta, focando-me, apenas, nas capacidades do Civic Type R como um todo, não há, efectivamente, outro automóvel assim. Muito provavelmente, nunca mais vai haver.