Entrevistas

Entrevista a Joana Fidalgo. Uma portuguesa em Inglaterra, a viver os automóveis, no trabalho e fora dele

Segundo nos contou, a engenharia, os motores, os automóveis e as motos levaram-na para Inglaterra e também eles a mantêm por lá. Divide a sua paixão pelas duas e pelas quatro rodas, bem como o seu tempo pela definição do que serão os motores no futuro e a emoção da condução das suas máquinas mais analógicas. Estivemos à conversa com Joana Fidalgo, Engenheira de estratégia de propulsão na Jaguar Land Rover e uma das colaboradoras oficiais da app The Intercooler.

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Fala-nos um pouco de ti, Joana. Sei que tens formação e experiência em engenharia. Podes partilhar connosco como tem sido o teu percurso? Saíste de Portugal há muito tempo?

Eu sempre tive um pouco de fascínio por carros e motores, que foi exacerbado quando fiz 16 anos e tive a minha primeira mota. Quando chegou a altura de decidir o que queria estudar na universidade, eu estava um bocado indecisa e decidi consultar uma orientadora vocacional que na altura me disse que eu deveria seguir para artes ou letras, mas para nunca me dedicar à engenharia.

Ora, eu não gosto que me digam o que fazer e decidi que tinha que enfrentar o meu “pavor” com a matemática e que ia ser engenheira. Estudei bastante, as minhas notas melhoraram muito e acabei por entrar em Engenharia Automóvel no Instituto Politécnico de Leiria, que era a minha primeira opção.

Quando terminei o curso, queria muito ganhar alguma experiência fora do país. A minha irmã tinha feito Erasmus e eu queria ter uma experiência semelhante. Por isso decidi fazer um mestrado em Motorsport Engineering em Inglaterra. Enfiei-me num avião em 2011 e sempre achei que iria por um ano e que voltaria com o mestrado feito, mas acabei por me apaixonar pelo país, pelas pessoas e pelas oportunidades e fiquei.

A nível de carreira, cheguei a fazer um estágio ainda em Portugal, na altura na PSA em Mangualde, onde começou o meu amor pelo lado da produção automóvel. Depois em Inglaterra, quando acabei o mestrado, acabei a trabalhar para o Grupo BMW como Engenheira de diagnóstico e validação de motores Diesel na Fábrica da MINI em Oxford, bem como com algumas experiências em Munique e Leipzig. Após 5 anos, voltei à escola e desta vez para fazer um Mestrado, em part-time, em Gestão e Negócios enquanto trabalhava full-time e comecei a interessar-me mais pelo lado estratégico e pelas decisões a longo termo, acabando por começar a trabalhar para a Jaguar Land Rover como Engenheira de estratégia de propulsão, a planear o que acontece a nível de motores nos próximos 5 a 10 anos.

Estando a viver no estrangeiro, como vês a cultura automóvel em Portugal quando comparada com a realidade britânica?

Em Inglaterra, sempre fui muito privilegiada por viver no que eles chamam o Motorsport Valley. A região à volta de Oxford e as Midlands é a zona onde podemos encontrar a maioria das equipas de Fórmula 1 e algumas das fábricas de produção das grandes marcas. Mas a maior diferença que vejo na cultura automóvel é a diversidade. Como ver carros exóticos estacionados ao lado de carros japoneses dos anos 90, Triumph clássicos ou muscle cars da década de 1960. Há menos preciosismo, também, os preços dos carros usados são diferentes e as pessoas usam os carros como deve ser. As modificações aos carros também não são tão legisladas como em Portugal, por isso há muito mais liberdade para as pessoas desenvolverem os seus projetos. Os Porsche clássicos são frequentemente usados em trackdays… Um amigo meu usa um Jaguar XK120 como o carro do dia-a-dia em Londres, faça chuva ou sol…

Qual foi o teu primeiro carro e como começou a paixão pelo Suzuki Cappuccino? Que outros carros e motas tens na tua garagem?

O meu primeiro veículo foi uma Honda CBR 125, cor de laranja, quando fiz 16 anos. O meu primeiro carro em Portugal foi o VW Polo GTi da minha Mãe, que depois acabou por ser trocado por um MINI Cooper D R56 quando comecei a fazer mais quilómetros por causa da universidade.

O Suzuki Cappuccino foi uma compra por impulso. Era de um amigo meu e eu adorava seguir as aventuras dele com o carro. Um dia ele mandou-me uma mensagem a dizer que estava a pensar vender o Cappuccino e eu respondi, imediatamente, a dizer que ficava com ele. No dia seguinte acordei a pensar se teria cometido um erro porque já tinha um carro e uma mota e não tinha espaço para estacionar outro veículo, mas apaixonei-me pelo Cappuccino assim que o vi e não houve volta a dar.

De momento não tenho nenhuma mota, mas espero mudar isso para o ano que vem. Agora tenho o Cappuccino como o meu carro de fim de semana e projeto, e tenho um BMW M3 E46 como carro do dia a dia.

Garagem de sonho: só podes escolher 5.

Uff… Difícil!

  • 1- Porsche GT1 seria um dos meus unicórnios.
  • 2- Lamborghini Countach para os passeios de fim de semana.
  • 3- Mercedes-AMG E63 versão carrinha para o dia-a-dia.
  • 4- Suzuki Cappuccino completamente restaurado.
  • 5- Ducati 916 para os poucos dias de sol.

Fórmula 1 ou Ralis, o que preferes? Quem é o teu piloto de eleição?

Fórmula 1. Felizmente, durante estes anos, tive a oportunidade de conhecer alguns pilotos. Nos dias de hoje, o meu preferido é o Max Verstappen. Pelas suas capacidades de condução, é incrível à chuva e nota-se uma grande evolução em termos de maturidade nos últimos anos. De todos os tempos, é o Senna. Mas também temos excelentes pilotos portugueses, como o Gonçalo Gomes, o Pedro Salvador, ou o António Félix da Costa…

Destino e “máquina” para a viagem perfeita?

Adorava levar o meu Suzuki Cappuccino e o Honda NSX do meu namorado numa roadtrip pelo Japão. Era uma das minhas viagens de sonho e infelizmente tive que cancelar por causa da Covid, mas está na minha lista (sem os carros, infelizmente). Há 2 anos fizemos uma roadtrip pela Europa, incluindo o Stelvio Pass, num Porsche 996 GT3. Este ano ainda gostaria de fazer a estrada NC500 que passa pela Escócia no meu M3…

Há quanto tempo começaste a escrever sobre carros/motas? Como surgiu a tua colaboração com o projeto “The Intercooler”?

Comecei a escrever um bocado por brincadeira. Eu sempre gostei de escrever quando era mais nova, sempre foi a minha forma de me expressar criativamente, mas nunca achei que teria uma oportunidade de escrever em inglês por não ser a minha primeira língua e achar que estaria sempre em desvantagem.

Entretanto comecei a envolver-me num projeto de uns amigos meus, um pub dedicado aos automóveis chamado Caffeine & Machine, e eles queriam publicar artigos no website deles e precisavam de alguém com carta de mota para testar e escrever sobre as motas. Eu nunca digo que não a um desafio e decidi arriscar pela experiência. O trabalho não era pago e exigia que eu tratasse da logística toda à volta das motas ou tirar dias de férias para conseguir criar o conteúdo, por isso não era sustentável a longo prazo, mas ajudou-me a criar mais confiança na minha escrita.

Entretanto comecei a criar uma rede de contatos nas redes sociais, principalmente através do Instagram e do Twitter, e um dia vi um Tweet de alguém a fazer uma pergunta de engenharia – e respondi. Sem saber, era de um dos fundadores do The Intercooler. Eles entraram em contato comigo para ver se era algo em que eu estaria interessada e agora sou uma das colaboradoras oficiais da app.

Como vês a chegada dos elétricos, em cada vez maior número? Achas que são a solução de que precisamos e serão, também, capazes de transmitir as mesmas emoções do que um automóvel com motor de combustão interna?

A chegada dos elétricos é um pouco agridoce. Por um lado, é urgente reconhecer que a nível ambiental há medidas que têm que ser tomadas. Os carros têm sido, um bocado, o bode expiatório – é certo que introduzir tecnologias mais limpas será sempre algo positivo, mas não é a única solução para um problema que é muito mais complexo. Têm que haver medidas de sustentabilidade em todos os setores: barcos, aviões, fabricação, etc… É toda uma cadeia.

Eu gostava muito de ver mais desenvolvimentos à volta da gasolina sintética, para conseguirmos manter a atual frota na estrada por mais tempo e com menos poluição, mas a nível energético e de investimento, não é algo muito atrativo para as empresas se os governos avançarem com proibições de circulação de motores de combustão em cidades, por exemplo. O hidrogénio também é uma alternativa interessante, mas a infraestrutura não “está lá” ainda e usam muita da tecnologia dos elétricos, por isso se calhar fará mais sentido nos pesados.

Pessoalmente, acho que as emoções de um veículo elétrico serão muito diferentes das de um veículo com motor de combustão interna – da mesma forma que conduzir um carro com motor de combustão interna lançado em 2021 traz emoções muito diferentes das de um carro com motor de combustão interna lançado em 1990. Para mim as emoções já se perderam há algum tempo: já não há tanto aquele lado analógico, a condução hoje em dia é muito filtrada, os carros fazem barulhos falsos pelo sistema de som, os rateres e barulhos de escape são fabricados pela programação e o modo Sport é uma invenção de Marketing para nos tentar trazer um pouco disso de volta. Claro que há exceções à regra, mas são cada vez menos. Por isso é que prefiro conduzir carros dos anos 90/início dos anos 2000.

Com os carros elétricos perdem-se muitos dos estímulos que são normalmente associados com a emoção. Não há aquele cheiro a gasolina, ou o barulho do motor, as vibrações… Por isso é que a maioria tenta compensar com performances loucas. Claro que isto inicialmente é atrativo para quem gosta de conduzir depressa, mas ninguém precisa dum carro que faça 2 segundos dos 0 aos 100 km/h ou 600 cv para levar os miúdos à escola. Acho que as marcas ainda estão a tentar perceber como criar diferenciação e atrair clientes num mundo totalmente novo.

Achas que das gerações mais novas ainda vão sair muitos “petrolheads” ou sentes que os mais novos já não ligam muito a motores?

As novas gerações começam a ver o conceito de mobilidade de forma um pouco diferente. A Covid veio mudar tudo um pouco, mas a malta mais jovem tem uma maior consciência ambiental e tem havido um interesse acrescido em mobilidade partilhada. Acho que haverá uma altura em que as novas gerações não vão ligar muito a motores, da mesma forma que nós hoje em dia partilhamos tudo na cloud e já ninguém quer saber de disquetes. A certa altura será uma evolução natural, ter um carro de combustão interna será algo do passado ou um hobby quando de repente não pudermos conduzir em cidade nenhuma ou quando os governos decidirem aumentar os impostos da gasolina para preços (ainda mais) proibitivos… Mas ainda temos uns 15 anos, digo eu…

Por outro lado, acho que por haver um pouco este sentimento de que os motores têm os dias contados, tem havido um bocado mais interesse, no imediato. Quase como as pessoas quererem aproveitar ao máximo enquanto podem e isso inclui, também, os jovens.

Projectos para a “Joana Fidalgo do futuro”?

Está tudo em aberto. Vou começar um novo desafio profissional agora, mais na área de chassis e estou bastante entusiasmada para começar a aprender mais sobre esse lado, porque acho que depois dos carros elétricos vai haver um foco maior em sistemas de ajuda ao condutor e assim. A nível da garagem, tenho muito que fazer nos meus carros, mas gostava de voltar ao mundo das motos em breve, fazer mais viagens…