A alma portuguesa da extinta British Leyland
Já foi há alguns anos, mas lembro-me como se fosse hoje. A caminho do trabalho, numa daquelas manhãs cinzentas e rotineiras, cruzei-me com algo que não só estava longe de ser cinzento, pois era amarelo, como também era algo que não fazia parte da minha rotina desde 1991: um Austin Allegro. Este foi o primeiro automóvel em que andei – embora não me lembre, obviamente – e foi também um dos em que mais passeei até aos meus quase 6 anos, quando chegou o meu actual Ibiza à família. O Allegro era o carro do meu Avô e depois de ter dado o seu lugar ao SEAT, durante uns bons 25 anos, vi apenas dois exemplares do Allegro em Portugal: um abandonado, em Lisboa, e um outro no Caramulo Motorfestival, felizmente a circular.
Este bonito Allegro amarelo, com matrícula de 1975, foi uma enorme surpresa, ainda para mais aqui tão perto de casa. Começou, por isso, a ser obrigatório espreitar para o sítio onde o encontrei nos dias seguintes que lá passei. E de vez em quando lá estava ele, arrumadinho e, também, por vezes, acompanhado por outros clássicos ingleses. O Allegro, quiçá o único a circular em Portugal, teria sido confirmação e interesse suficientes, mas a presença de outros modelos deixou-me curioso e com vontade de bater a umas portas e procurar o seu dono para falarmos um pouco. Algumas semanas depois, num dos meus longos serões de internet a explorar automóveis, encontro o Allegro no Facebook, facilitando-me a procura pelo seu proprietário. Contactei de imediato o José Magalhães, entusiasta que, posso agora dizê-lo, vários anos depois, tenho o prazer de conhecer pessoalmente.
Logo nesse dia, a simpatia, disponibilidade e entusiasmo com que o José me respondeu deixaram bem patentes a paixão e gosto que tem pelos seus adorados automóveis, bem como o prazer que tem em partilhá-los, oferecendo-se, de imediato, para mos mostrar. Os anos passaram-se demasiado depressa e foi sempre surgindo algo pelo caminho que me obrigava a adiar, até mesmo o simples facto de querer aproveitar a oportunidade para fazer um trabalho diferente e que obrigaria a uma maior preparação. Felizmente, a oportunidade concretizou-se há algumas semanas – e dará, inclusivamente, origem a outros conteúdos que, espero eu, estejam à altura do que as máquinas merecem – e, como disse, não só tive o prazer de conhecer o José, como também de com ele aprender bastante sobre a indústria automóvel britânica que ele tão bem conhece, principalmente de uma era tantas vezes injustamente esquecida e, pior ainda, injustificadamente criticada.
Não vou fazer deste texto um artigo sobre este ou aquele carro, mas prometo fazê-lo, assim que possível, sobre mais do que um dos exemplares que compõem esta ímpar colecção. Este texto serve para dar a conhecer uma pessoa que é, acima de tudo, um verdadeiro aficionado dos automóveis. Um daqueles que conhece, pesquisa, compra, restaura, mantém, utiliza e partilha, com gosto, o que sabe e o que tem. Graças ao José, fiquei a conhecer vários modelos ingleses dos quais, até então, sabia pouco mais do que a sua designação. Tive, inclusivamente, a sorte de conduzir alguns deles. Desde um Rover 111 SLi Cabriolet – com capota eléctrica, o que eu desconhecia – a um giríssimo Austin Metro, passando por um surpreendentemente versátil Maxi de 1970, bem como por um superconfortável Morris 1300 do mesmo ano, a tão bem-sucedida silhueta do ADO16 que o Allegro viria a substituir. A versão Austin está, igualmente, na colecção de mais de vinte automóveis, com matrícula de 1963 e motor 1100. Conduzi, igualmente, o mal-amado Morris Marina, uma unidade de 1977, e o incrivelmente raro Montego Turbo, este último de 1987. Faltam outros e falta, claro, o meu preferido, o Allegro.
A indústria automóvel britânica teve, como qualquer outra nação com história na produção de automóveis, pontos altos e baixos. E esquecemo-nos, por vezes, da riqueza automobilística proveniente daquela ilha, com dezenas de míticos fabricantes, alguns deles ainda bem vivos, outros, infelizmente, já desaparecidos, é certo, ou absorvidos por outros nomes gigantes do meio. Os tempos conturbados que por ali se viveram e que, eventualmente, conduziriam ao desaparecimento da British Leyland, produziram, igualmente, inúmeros modelos interessantes, inovadores e fiáveis. Infelizmente, parece que só nos lembramos do que correu menos bem, muitas vezes explicado por cortes nos investimentos já de si reduzidos, má gestão de quem tinha o poder de decisão, uma comunicação social, por vezes, aproveitadora e também por todo um clima de tensão que se vivia entre a força laboral da BL. Mas pelo meio de todos os problemas que daí possam ter surgido, nasceram, igualmente, vários automóveis bons, cheios de carácter e que ganharam, ao longo dos anos, uma grande legião de fãs, que os estimam e valorizam. E ainda bem que os há, também em Portugal. No nosso país, um dos maiores, senão mesmo o maior de todos, é o meu amigo José Magalhães.