Stefano Bontade, o falcão abatido num Giulietta Super
Quando o tema é crime, poucos nomes superam o interesse e curiosidade despertados pelo da máfia italiana, seja nos livros, nos cinemas ou, neste caso, na vida real. E se à história pudermos adicionar um pouco de Alfa Romeo, então há certamente interesse mais do que suficiente para ser fazer um pouco mais de investigação e juntar duas vertentes da história recente de Itália que mesmo sendo tão diferentes, tanto quanto uma organização criminosa e um fabricante de automóveis podem ser, acabam por estar indirectamente associadas em determinados momentos.
Stefano Bontade é um dos nomes que importa conhecer nesta história. Ele foi um poderoso membro da máfia siciliana, o patrão da família de Santa Maria di Gesù da cidade de Palermo e conhecido por “Il Falco”, italiano para “O Falcão”. Bontade mantinha ligações influentes com altos cargos políticos da Sicília, bem como, segundo consta, com o primeiro-ministro da altura, e foi assassinado em 1981 por membros de uma facção rival da Cosa Nostra. O seu assassinato despoletou uma guerra interna no submundo da mafia siciliana que conduziria a muitas mais mortes, a chamada segunda guerra. Isto para resumir a parte mafiosa da história.
O Super e os outros
O segundo interveniente desta macabra história (macabramente curiosa, também) chama-se Alfa Romeo Giulietta, em particular a segunda geração, lançada na segunda metade da década de 1970 para substituir o bem-sucedido Giulia e posicionando-se abaixo do Alfetta com quem partilhava vários componentes. Após algumas “queixas” dos clientes italianos, que até 1981 não tiveram direito a um Giulietta com motor de dois litros – exclusivamente destinados a exportação – a Alfa Romeo decide finalmente conceder-lhes esse desejo, apresentando uma versão especial do seu New Giulietta, designada por Super.
E agora que tinham a potência que sempre desejaram, até então negada por um mercado italiano pouco convidativo a altas cilindradas, os condutores do Giulietta tinham o motor adequado para explorar a excelente dinâmica providenciada pela configuração transaxle, com motor dianteiro, caixa e embraiagem colocadas no eixo traseiro e travões in board. O Super chegou tarde à gama Giulietta, mas apostava num visual distinto que combinava a cor Grigio Nube Metallizato com faixas bege em redor da carroçaria e nos pára-choques. As jantes de 14 polegadas eram também específicas e a carroçaria perdia todos os elementos cromados utilizados nas demais versões. Por dentro, estofos em veludo castanhos com contornos bege a contrastar, bem como um volante de três braços forrado a pele, tal como o punho da caixa. Era assim o Giulietta Super.
E como, muito provavelmente, já fizeram a associação sugerida pelo título deste artigo – pouco feliz, admito – Stefano “Il Falco” Bontade foi emboscado enquanto conduzia o seu Giulietta Super em Palermo ao regressar das celebrações do seu 42º aniversário, tendo sido assassinado com os tiros de uma Kalashnikov. E se não é fácil encontrar fotografias da mais exclusiva versão Super da geração 116 do Giulietta, não foi de todo difícil encontrar uma imagem do Giulietta, em plena Via Aloi, onde Bontade foi assassinado há 40 anos. Nem um mês depois do crime, um dos seus maiores aliados teria, igualmente, o mesmo destino, morto com a mesma arma e também num Alfa Romeo, desta vez um Alfetta blindado, comprado logo após o assassinato de Bontade. Mas a blindagem não foi suficiente.
“Il Falco” foi emboscado num semáforo e segundo os relatos de um jornalista no local, as marcas de pneus no chão são evidentes, tendo o Giulietta continuado a mover-se por alguns metros depois do seu condutor ter sido baleado, vindo a imobilizar-se junto a um muro, impossibilitando a abertura da porta do condutor, lado por onde deverá ter ocorrido o ataque. Segundo conta numa peça partilhada no “La Republica”, havia igualmente pegadas, marcadas a sangue, a afastarem-se do Giulietta. Mais tarde veio a provar-se serem de um seu aliado que o precedia noutro carro, separados pelo semáforo de um cruzamento pelo qual tinham passado anteriormente. Ao voltar para trás, foi aquele o cenário que encontrou. No cadáver, a polícia – alertada através de uma chamada anónima – encontrou uma arma que Bontade não teve tempo de utilizar e dinheiro, muito dinheiro. Não consegui apurar, com certezas, se a hipótese de traição por alguém que lhe era próximo se confirmou ou não, isto porque Bontade, ao que parece, comunicou aos seus familiares a sua intenção de passar a noite fora de casa com receio de ali ser atacado.
Não quero com este texto meter-me em assuntos que não domino, pois estou longe de ser um entendido na matéria, apenas um mero curioso. Mas ao procurar mais informação sobre uma versão do Giulietta que era para mim, até há pouco tempo, desconhecida, esta história foi das primeiras coisas com que me cruzei. Tecnicamente, nada de concreto sobre o carro em questão, mas uma história “dos diabos” em que a geração esquecida do modelo da Alfa Romeo, e uma das suas mais raras versões, foi protagonista, ainda que não pelos melhores motivos. Longe, muito longe disso.
Fotos: Car.info
Fontes: www.editorialedomani.it / Alfa Romeo Giulietta The Story 1977-1985, Matteo Licata