Citroën Ami: O conceito é brilhante. A boa disposição, uma constante
Não me venham dizer que este automóvel é limitativo. Por favor, não o façam. E não mo digam por dois motivos: primeiro, porque o Citroën Ami não é um automóvel e, em segundo lugar, porque é claro que é limitativo. É óbvio. O que esperavam? Bancos aquecidos, sistema de som premium, ar condicionado e bancos rebatíveis? Esqueçam. Aqui não há disso. Dois lugares, dois pedais, um volante e pouco mais. É o que há. É o que é preciso. Mas tão pouco é tanto que é até complexo explicá-lo por palavras. Porque se é verdade que limita em alguns aspectos, é brilhantemente libertador noutros.
O que há para desfrutar, a bordo do Ami, é uma experiência de condução totalmente diferente daquilo a que estamos habituados. Refrescante, simplificada e, acima de tudo, ecológica. “Epá isso é um mata-velhos!” e “A Citroën fez um papa-reformas!” são expressões comuns. Ouvi-as, com maior ou menor variação, diversas vezes. Mas ambas são, igualmente, mentira. Isto porque, dificilmente, à velocidade a que anda, o Ami matará algum velho. Ou alguém menos velho. E também porque a maior parte dos condutores de quadriciclos por quem passo não têm sequer idade para votar, quanto mais para terem reforma. Têm sim, idade para terem borbulhas na cara e um início de bigode.
Sempre a fundo, dentro dos limites
Com um pequeno motor eléctrico de 6 kW – o equivalente a 8 cavalos e 1 pónei – o Ami é, igualmente, o pior inimigo das máquinas fotográficas de berma, pois a sua velocidade máxima é de 45 km/h. A descer o viaduto da rotunda do Relógio, em Lisboa, consegui dar 51 km/h e em nenhum outro momento vi o pequeno painel de instrumentos estar sequer perto de mostrar um número que superasse essa marca. É um veículo que nos protege de excessos, ou quase, não vá a descida ser longa e convidativa para ver até onde o Ami consegue ir quando a gravidade decide dar um empurrão. Protege-nos, também, do mau tempo, algo que as soluções de duas rodas não conseguem.
A autonomia declarada é de 75 quilómetros. Uma vez mais, não escrevi “apenas” porque um veículo que ocupa uma área inferior a 3,5 metros quadrados não pode esconder uma grande bateria. Tem a capacidade adequada, isso sim, para a utilização a que se destina. Uma utilização tranquila, de casa para o escritório, para ir ao ginásio ou tomar café, poupando a carteira e o ambiente. É esse o objectivo do pequeno Ami. Também o carregamento da pequena bateria de 5,5 kWh promete ser rápido, podendo ser feito numa tomada doméstica comum de 220 V em cerca de 3 horas.
O Ami a fazer amigos
Estando classificado como um quadriciclo, o Ami pode ser conduzido por jovens a partir dos 16 anos. É por isso para adolescentes e adultos, mas tão fácil de utilizar que até uma criança o podia guiar. Dizer que brilha na cidade é desnecessário, pois foi para isso que ele nasceu. Mas brilha, também, de uma forma diferente. Porque a bordo do Ami, em plena Lisboa, apercebi-me, por mais do que uma vez, da frase “olha-me para aquele carro!” O Ami tem tanta área vidrada, a toda a sua volta, que foi fácil ler os lábios de quem nele reparou e trocou comigo um sorriso e um aceno ao ver-me passar. É divertido de conduzir e divertido de ver passar.
Ao volante, vamos sentados bem atrás no habitáculo, com o distante pára-brisas – tão distante quanto 2,4 metros de comprimento permitem – lá na frente, a proporcionar uma grande montra do trânsito lisboeta. Imaginem conduzir uma bicicleta tandem, sentados no lugar de trás. É idêntico, mas com temperaturas baixas, menos arejado, felizmente. O raio de viragem e a manobrabilidade que o Ami possibilita é absolutamente ridícula. Ridícula por ser quase inacreditável. Estacionar em paralelo é tão fácil, mas tão fácil, que não consegui à primeira. Tirei mal as medidas. E quando consegui, olho para trás e apercebo-me que o Ami acaba ali. Não há mais carro. Mas há espaço para outro igual atrás do meu. E espaço para quem me viu chegar ter mandado uma gargalhada por não ter conseguido colocar o Ami onde cabiam dois, à primeira.
Uma ideia fora da caixa, mas dentro de uma
O seu interior, acessível por portas de abertura antagónica, é surpreendentemente agradável. Num dia de Sol, apesar de ter ventilação e das suas janelas poderem ser ligeiramente abertas, acredito que a experiência, rodeada de vidro, se torne um pouco quente demais. Mas a verdade é que os trajectos do Ami serão sempre curtos. E apesar de ser, igualmente, curto em tamanho, há espaço à frente das pernas do passageiro para colocar uma mala de viagem, bem como diversos compartimentos e zonas de arrumação no topo do tablier para colocar as indispensáveis tralhas do dia-a-dia. O travão de estacionamento é “à antiga” e do lado esquerdo do banco do condutor estão os botões “D”, “N” e “R”. Nada mais é necessário. Até os puxadores e manípulos de porta são umas tiras plásticas. Funciona, não funciona? Então para quê complicar?
O Ami não consegue fazer o que outros veículos fazem, é verdade, mas faz coisas diferentes, de uma forma especial. Pode até, para alguns, não ser bonito. Ser uma apenas caixinha com uma roda em cada canto. Um quase brinquedo, caro também, com um preço base de 7.750 €. Pode ser isso tudo. Feio, caro e limitativo. Mas mais do que isso, o Citroën Ami é brilhante. É descomplicado. É ambientalmente responsável, divertido e, muito provavelmente, necessário no futuro da mobilidade urbana, na particular e na dos serviços de entregas na cidade, por exemplo.
Pode até não servir a todos os propósitos, a todos nós ou não justificar o investimento para o que oferece. Pode, pura e simplesmente, não agradar, não se impor, não ser a solução de que precisamos. Mas aquilo que são as suas limitações, são igualmente os seus argumentos. O tamanho reduzido, a simplicidade de construção e a performance contida. Mas o seu maior argumento é outro. O Citroën Ami fez-me sorrir durante 75 lentos quilómetros. E num mundo sobre rodas por vezes demasiado sério e cada vez mais rápido, fico assim muito feliz pela existência do Ami. Leva-nos a quase todo lado, abrandando-nos o ritmo e colocando-nos um sorriso na cara.