KIA EV6 GT Line – Personalidade do ano 2021
Longe vão os tempos em que o design de uma grande parte dos modelos de automóveis coreanos me fazia olhar para baixo quando com eles me cruzava. O risco de me estampar, de testa, contra alguém em sentido contrário era grande. No entanto, temos assistido, nos últimos anos, a uma nova abordagem ao cliente europeu, com centros de design e desenvolvimento localizados na Europa, com modelos especificamente criados para o mercado do velho continente. E a verdade é que os resultados têm sido surpreendentes, com modelos que estão, sem dúvida alguma, bem conseguidos, com linhas que estão, também, em linha com o gosto do cliente europeu. Essa foi, felizmente, a aposta da KIA, símbolo que goza, actualmente, de uma boa imagem de marca em Portugal e que registou, inclusivamente, um dos maiores crescimentos em 2021 relativamente ao ano anterior, com uma subida de 62%.
Visual que pode não ser para todos
Mas ao olhar para o novo e impressionante EV6 fico novamente dividido, indeciso sobre o que dele pensar a nível estético. Raramente concordei com a abordagem de algumas marcas de fazerem os seus 100% eléctricos totalmente diferentes dos restantes modelos, mas aqui nem é esse o problema. Aplaudo, até, o arrojo e a originalidade do EV6. É distinto e elegante, mas possante e até, de certos ângulos, desportivo. Mas por outro lado não consigo deixar de olhar para o EV6 e não ver um regresso às origens. Não sei bem o que pensar, admito, e não sei bem a que tipo de cliente a KIA o aponta, uma vez que me parece ter um pouco de tudo na sua carroçaria. Mas o que tem, também, é dimensão. É grande, para não dizer enorme. São quase 4,7 metros de automóvel, mas que, curiosamente, não se fazem sentir assim tanto quando estamos ao volante. Nem os 1,9 metros de largura me assustaram ao conduzir em cidade.
Mas se o exterior impressiona, o que dizer do interior? Gostei, de imediato, da sensação geral de qualidade, com um tablier totalmente dominado pela digitalização com dois grandes painéis digitais integrados numa só moldura. O volante de dois raios, com botão de selecção do modo de condução, resulta igualmente bem e a original consola central, onde está colocado o botão de arranque, o comando rotativo da “transmissão” e o carregador sem fios para smartphones, esconde uma grande zona de arrumação por baixo. Os compartimentos das portas são forrados, uma solução pouco vista que denota a atenção ao pormenor colocada pela KIA no EV6. Gostei de ver. Atrás, o espaço livre é equivalente ao de um pequeno T1, e mesmo sem dispor de três passageiros para o testar, o EV6 deixa a ideia de que há largura suficiente para seis ombros. O túnel central nem sequer existe e os passageiros laterais, pelo menos aqueles com estatura idêntica à minha e considerando, igualmente, a minha posição de condução ideal, contam com um palmo de distância livre para os joelhos e quatro ou cinco dedos até que a cabeça bata no forro do tejadilho. O acesso ao banco traseiro é também bastante fácil, pois as grandes portas abrem praticamente a 90 graus.
Bom consumo
Voltando, novamente, à frente, o condutor tem ao seu dispor 229 cavalos de potência e 350 Nm de binário. São números bem ajustados ao grande e pesado EV6 que com a sua bateria de 77,4 kWh atinge quase duas toneladas de peso quando colocado na balança. Ainda assim, acelera de 0 a 100 km/h em 7,3 segundos, demonstrando, na prática, uma capacidade de aceleração bastante convincente. Quando a consumos, não me foi possível chegar à média combinada declarada de 16,5 kWh/100 km, mas não falhei por muito. Com o computador de bordo a mostrar uma média final de 17 kWh/100 km, seria de esperar uma autonomia total de cerca de 450 quilómetros. Ao volante, gostei da posição de condução, suficientemente alta para beneficiar a visibilidade – que só não é melhor devido ao desenho do retrovisor e da base do pilar A – sem nos colocar exageradamente altos. Quando a modos de condução, estão disponíveis três, Eco, Normal e Sport, bem como vários patamares de intensidade de travagem regenerativa seleccionáveis através das patilhas no volante. No modo de maior regeneração, é possível conduzir o EV6 com recurso a apenas um pedal.
A suspensão faz quase sempre um bom trabalho a esconder o peso elevado do EV6. A sua dinâmica convence, chegando a mostrar uma agilidade que se imaginaria difícil se pensarmos nas suas dimensões. Mas digo “quase sempre” porque por vezes o peso mostra-se. Está lá e é, por isso, inevitável. Principalmente em vias com oscilações transversais regulares, em que o balanço entre ambos os eixos se faz notar mais, com a suspensão a tentar controlar os movimentos da carroçaria quando já lhe está a ser exigido um novo esforço por uma nova lomba ou depressão no asfalto. Nesses momentos, sente-se um pouco a rigidez do amortecimento que, como em todos os eléctricos com baterias de elevada capacidade, tenta reduzir os efeitos do seu peso superior. No entanto, não só o EV6 está longe de ser o único automóvel eléctrico em que tal acontece, como tal não representa um problema por se fazer sentir pontualmente.
O futuro já disponível
O EV6 é, igualmente, uma montra tecnológica para a KIA. A plataforma E-GMP com arquitectura eléctrica apta para carregamentos ultrarrápidos é disso um bom exemplo, suportando cargas muito rápidas capazes de elevar a carga da bateria de 10 a 80% em apenas 18 minutos. Outro bom exemplo é tecnologia que, através de câmaras e sensores, lhe permite estacionar sozinho, mesmo que estejamos fora do veículo. É impressionante e, ao mesmo tempo, algo “assustador” vermos o EV6 a mexer-se sozinho, com o lugar do condutor vazio. Mas a verdade é que acho difícil justificar a presença desta tecnologia, até porque das várias vezes que a testei, o EV6 nunca completou a tarefa na sua totalidade. Em sua defesa, faltou-me, várias vezes, a confiança para manter o botão da chave premido enquanto o via a passar perto dos carros da vizinhança. Mas mesmo quando estamos ao volante, o estacionamento pilotado é também gerido a partir de um botão na consola, sem a progressividade e o controlo necessários para nos dar confiança ao usar a assistência. Uma tecnologia curiosa, sem dúvida alguma, mas, na minha opinião, pouco útil.
KIA EV6 disponível desde 43.950 €
A versão ensaiada parece-me ser a mais apelativa da gama. É certo que os 585 cavalos da versão GT farão as delícias dos amantes de acelerações fulminantes e os 170 cavalos e bateria de 58 kWh do Air “chegarão para as encomendas” de muitos condutores e famílias, mas este GT Line, proposto por 49.950 € – mais 6.000 € do que o Air – é, muito provavelmente, a escolha acertada. Tem um nível de potência adequado, a bateria de maior capacidade e uma lista de equipamento mais do que convincente. Não é por muito, bem sei, mas o preço ligeiramente abaixo da barreira psicológica dos 50.000 € pode, também, ajudar. Este EV6 GT Line é, efectivamente, “muito automóvel” para o que custa. E mesmo com as dúvidas que acima referi relativamente à sua estética, entre ele e o meio-irmão IONIQ 5 – que também já ensaiámos – prefiro, de longe, o KIA. Até porque é difícil encontrar outra proposta equivalente no mercado com tanta personalidade quanto o EV6. E mais do que equipamento ou performance, isso é o que falta, muitas vezes, à maior parte dos automóveis que conduzimos, uma personalidade distinta, tanta quanto é possível a um objecto ter. O meu ano de 2021 terminou ao volante do EV6 e o EV6 é a Personalidade do Ano.