Salvar o planeta com um SUV
Até certo ponto, eu entendo. A posição de condução mais alta ajuda a ver melhor o que se passa à nossa volta e a maior altura ao solo é um descanso. Principalmente quando as estradas estão minadas de lombas cujo alcatrão podia ter sido usado para tapar os buracos entre elas. Mas não. Assim sendo, ter um SUV significa maior segurança e alguma paz de espírito quando usas o teu carro novo, preparado para a mais dura das etapas do Rally Safari, pelo menos visualmente.
E não é uma questão de género. Sejam mulheres ou homens, são raros os condutores que não ambicionam ter um SUV. É verdade ou não é? E quanto mais aventureiro, melhor! Para as aventuras de fim-de-semana até ao outlet mais na moda ou para a selva urbana do dia-a-dia em que os seus curtos 4,95 metros são perfeitos para os grandes lugares de estacionamento projetados no pós-terramoto de 1755 por Sebastião José de Carvalho e Melo, esse conhecido aficionado de SUV.
São imensos os SUV de que gosto. São bastante menos aqueles que gostaria mesmo de ter. E são mesmo muito poucos aqueles que posso ter. Mas se o dinheiro não fosse um problema, contam-se pelos dedos de uma mão aqueles que são, para mim, realmente fabulosos e que na verdade acrescentam algo à experiência de condução. Agradáveis à vista e com ótimas capacidades para o fora de estrada. Aqueles que são vendidos como SUV mas que não se raspam todos por baixo assim que o atiramos a um caminho menos simpático.
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É a vontade do cliente que dita os modelos que surgem no mercado e se são esses que mais vendem, as marcas têm de responder a essa procura. Simples. E se é o que vende, é bom para as marcas e para os seus clientes. Mas se por um lado os Q5 e X3 desta vida trazem lucros, por outro, custa-me que quem os compre nem sequer olhe para as berlinas que representam a essência das respetivas gamas. Não me interpretem mal. Ainda bem que há fartura de escolha. Ainda bem que há um carro ideal para toda a gente. Ainda bem que a Porsche vende os seus Macan e Cayenne aos pontapés. Isso significa que a escalada louca de potência e o avanço tecnológico do “meu” 911, geração após geração, parece não ter fim.
Só há um problema. E é sério. Os SUV vieram para substituir as clássicas e elegantes berlinas. Pior. Vieram substituir também os desportivos! Mas estamos todos loucos? Veja-se o exemplo do Mercedes-Benz GLS, um grande e excelente SUV de luxo para uma grande, rica e aventureira família. Só que não. Não chega. Façamos então um SUV ainda mais luxuoso. Vamos chamar-lhe Mercedes-Maybach GLS e vai substituir a referida clássica e elegante berlina e colocar-se acima do GLS de “luxo base”. Mas como o cliente típico deste automóvel já não tem o físico de outrora, foi criado um sistema que, ao abrir a porta, faz descer a carroçaria, facilitando o acesso. Só que não.
Então e se fizermos um desportivo com base num SUV? Assim algo com 600 cavalos, capaz de superar os 250 km/h, ideal num SUV projetado para as famílias, conceito que normalmente inclui…sim, isso mesmo…crianças. Vamos chamar-lhe Mercedes-AMG GLS e vamos equipá-lo com uma suspensão que o coloque mais perto do solo, baixando o centro de gravidade e melhorando a dinâmica. Amigos, a palavra a reter é mesmo esta, “gravidade”. Porque a situação é grave. Então a ideia não é o SUV oferecer uma posição de condução mais alta e confortável? Não é isso que a nova geração de condutores valoriza? Já não percebo nada disto e acredito ainda que, dadas algumas versões de SUV que surgem no mercado, as marcas comecem também a ficar um pouco confusas.
Um SUV, à partida, nunca será muito aerodinâmico. No entanto, o EQC tem um coeficiente de apenas 0,27
Assumo que o SUV merece o seu lugar no mercado. São giros, divertidos e alguns bastante bons naquilo a que se propõem. Mas então assumam, também, que o SUV não vem resolver tudo. Colocar um motor de 600 cavalos num automóvel com mais de duas toneladas e equipá-lo com tecnologia mild-hybrid para declarar emissões de 279 gr/CO2 por quilómetro e um consumo previsto de 11,9 lt/100 km, não resolve o problema. Pode atenuá-lo, isso sim. O que é bom, claro, mas não chega. O GLS não tem culpa, atenção. Nem a Mercedes, obviamente. Mas nós temos. Querem um grande SUV de luxo, potente e rápido? Assumam-no e comprem um GLS. Benz, Maybach ou AMG, ficam bem servidos com qualquer um. Querem salvar o planeta com um SUV? Epá, então assumam-no optando por um EQC. Esse sim, apesar de grande e alto como qualquer bom SUV, poderá fazer alguma diferença.
O mercado pede SUV, eles dão. Eu faria o mesmo se comandasse os destinos de uma marca de automóveis. Escolhi a Mercedes porque gosto muito da marca. Não pelo contrário, ok? Até porque, na verdade, gosto de todas, mas a Mercedes, pronto. Admito ainda que por vezes sou um bocado dinossauro nesta conversa inevitável da transição energética. Gosto de carros rápidos e sonoros, normalmente poluentes e antigos. Nesse sentido, autoproclamar-me dinossauro é até bastante apropriado para que o meu fim e dos meus equivalentes não seja como o deles, um bicho que dominava as estradas de outrora e que se deu mal muito provavelmente devido às alterações climáticas que tanto queremos evitar.
Não é igualmente difícil imaginar o porquê, mas não tenho a solução para o nosso futuro nem consigo prever o dia de amanhã. Propostas como estas, mild hybrid, são já um grande passo para uma mobilidade cada vez mais limpa. Assim, entusiasma-me o futuro, a tecnologia que aí vem e o caminho a percorrer, pelas marcas de automóveis e por nós, consumidores, a fim de salvaguardarmos o futuro da nossa esférica casa azul. Mas, por favor, imploro-vos: não vou fazer essa viagem sozinho num SUV de 600 cavalos que não é nem um todo-o-terreno como o icónico G, e muito menos um desportivo como o fabuloso AMG GT. Nem pensar.