Abarth F595C – Os benefícios de uma quarta dose
No mundo dos FIAT 500 com veneno, mais recentemente, não FIAT e sim Abarth, a primeira vez que fui picado pelo escorpião foi ao volante de um lindíssimo Rivale. Coloquei-o, nessa altura, frente-a-frente a dois temíveis rivais, o Volkswagen Polo GTI e o Ford Fiesta ST. O preço elevado e a habitabilidade limitada deixaram-no numa posição complicada perante a concorrência, mas a verdade é que o Rivale, até visualmente, era o mais especial dos três modelos em confronto. Regressei ao mundo do pequeno e irrequieto italiano aquando do 70º aniversário da Abarth, colocando um 595C esseesse em pista ao lado de um 124, bem como durante o ano passado, quando aproveitei a passagem de um belíssimo 595 Scorpioneoro pela Garagem para ir até ao Caramulo Motorfestival 2021 juntamente com a caravana do Abarth Club Lusitano.
Esta não é, por este motivo, uma máquina desconhecida para mim, porque tenho a sorte de poder repetir a experiência sempre que é lançada uma nova versão do mais pequeno dos Abarth. Mas a primeira coisa que sinto, de imediato, a cada novo ensaio, é que quero um só para mim. Não só porque acho o FIAT 500 um automóvel absolutamente genial, como as versões Abarth souberam, igualmente, inspirar-se na sua rica história para nos dar, aos padrões actuais, a mesma fórmula de sucesso. É-me impossível não ficar com o chamado “nervoso miudinho” sempre que me aproximo de uma máquina destas, pequena, mas feroz. Disponível em inúmeras versões, tão personalizável e com enorme potencial para modificações ainda mais radicais, é assim uma quase garantia de que não haverá na estrada um Abarth igual àquele que estamos a conduzir.
Para esta quarta dose de reforço, calhou-me um 595C equipado com o pack F595. E isso é sinónimo de 165 cavalos disponíveis debaixo do pé direito, bem como da mais recente evolução do escape Record Monza Sovrapposto, um instrumento musical de que ainda melhor se usufrui, neste 595, de capota aberta. Basta espremer o motor a partir das 2500 rpm para que o ambiente num raio de, diria, 100 ou 200 metros, se preencha com um rugido digno de um verdadeiro automóvel de corridas. Ao volante, mantendo-se o conceito de sempre, encontrei os mesmos pontos positivos, bem como outros que, dada a compacidade desta bomba, não podem ser diferentes. A posição de condução exageradamente alta para um desportivo e a pouca regulação do volante são disso exemplo, mas o que é certo é que ambos os pontos me incomodam cada vez menos quando estou a andar depressa. Faz parte da experiência, do charme do 500 que lhe serve de base, sendo até importante que se mantenham fiéis ao espírito de um dos mais relevantes automóveis dos últimos 15 anos.
Tratando-se do Abarth 595 “a céu aberto”, a menor rigidez estrutural, como seria de esperar, faz-se notar, mas nunca o suficiente para nos retirar confiança. Na estrada certa, o 595 é um pequeno demónio de sensações, com uma agilidade que só um pequeno, leve e potente automóvel bem afinado consegue revelar. A direcção não é muito rápida, mas o eixo dianteiro responde sempre com prontidão, fazendo o pequeno 595 mudar de direcção com a destreza frenética de um mosquito. Mesmo não dispondo de borracha excessivamente aderente, o pequeno Abarth devora curvas com uma eficácia que impressiona, alargando ligeiramente a trajectória sob aceleração forte apenas à saída das curvas mais fechadas, tal é o pulmão do motor, o 1.4 Turbo que, ao fim de tantos anos de serviço, continua a impressionar com o vigor da sua entrega de potência. A caixa de 5 velocidades pode também não ser a mais rápida, mas o facto do seu comando estar tão perto do volante, contribui, e muito, para as boas sensações ao volante.
Ainda no que à dinâmica diz respeito, tenho pena que a ritmos “divertidos”, sem cair em exageros, o eixo traseiro seja tendencialmente muito “preso”, não sendo fácil sentir a traseira a aligeirar e a rodar um pouco ao perder-se o contacto da borracha com o asfalto. Quando devidamente explorado, que é como quem diz quando conduzido “quase a fundo”, a traseira acaba por se revelar um pouco, mas preferia senti-lo logo a uns 60 ou 70% daquilo que é, à minha humilde dimensão, andar depressa. No meu circuito público, optei por não exagerar. Por outro lado, nas travagens a alta velocidade e em apoio, num automóvel com uma distância entre eixos tão curta, o eixo posterior ganha alguma vida, mas também não é preciso rezar o terço na recta imediatamente anterior. Ganha vida, mas não assusta. Quanto a conforto, é o possível numa máquina assim. Longe de conseguir filtrar todas as irregularidades, a suspensão Koni nunca nos dá uma tareia. Por outro lado, e como se quer, reduz ao mínimo tudo o que são movimentos exagerados da carroçaria.
Como disse, de cada vez que conduzo um Abarth 595 ou 695, relembro o quão especial este automóvel é. Não só pelo que oferece, mas também pela sua herança, por aquilo que homenageia e que tão bem representa mais de 70 anos depois do nascimento da Abarth. Porém, o que mais quero destacar após esta nova experiência, é que, mais cedo ou mais tarde, poderá ter os dias contados. O Abarth 595 – e outros modelos equivalentes – não deverá ter lugar no futuro da mobilidade automóvel. Pelo menos assim, com motor térmico, sonoro, vibrante e envolvente. Até lá, a esse necessário, mas doloroso dia que se aproxima demasiado rápido, espero ansiosamente pela oportunidade de levar uma quinta dose de reforço. Mais uma picada do escorpião que de dolorosa nada tem e que se tem revelado incrivelmente benéfica.