Cupra quer vender 500 mil automóveis por ano. Uma análise ao futuro (também da SEAT)
O evento de apresentação mundial do Cupra Terramar serviu também – e como é habitual nestas ocasiões – para os responsáveis máximos fazerem um ponto de situação da marca cujo destino lideram. A Cupra foi, disseram-nos de forma orgulhosa, lançada no momento certo, “desafiando o status quo” e aproveitando, também, as dificuldades impostas pela conjuntura global para forçar os limites do que era considerado possível na sua estratégia.
Seis anos passados desde a sua criação – com a pandemia de Covid-19 pelo meio, uma guerra na Ucrânia sem fim à vista e à qual se juntou mais recentemente uma outra ainda mais a leste, bem como uma crise de semicondutores e, mais recentemente, as taxas adicionais aplicadas ao novo Tavascan produzido na China – a Cupra, garantiram-nos, prospera. Uma tendência que contribui, também, para o crescimento a dois dígitos registado pela SEAT nos primeiros seis meses de 2024, desviando-a, pelo menos para já, de um beco sem saída, ainda que o cenário de incerteza quanto ao rumo a tomar continue, na minha opinião, a pairar no ar.
Wayne Griffiths, CEO da Cupra, destacou a rapidez com que a sua marca, baseando-se na tecnologia do Grupo Volkswagen, se focou no desenvolvimento de uma nova gama de produtos, bem como na implementação e expansão de uma rede de concessionários e respetiva formação de equipas que lhe permite hoje assumir-se como uma marca de conquista, uma vez que 50% dos seus clientes vem de fora do Grupo VW, gerando um especial interesse junto das camadas mais novas, mas apelando igualmente às gerações acima. Disruptiva, irreverente, mas abrangente e inclusiva na abordagem ao público a que tenta apelar.
Formentor liderou vendas na SEAT S.A. no primeiro semestre de 2024
De acordo com dados públicos do mercado automóvel europeu divulgados pela Jato Dynamics, a Cupra vendeu 110.723 automóveis no primeiro semestre do ano, volume que representa um crescimento de 19% comparativamente ao período homólogo de 2023 e que a coloca à frente de marcas como a Mazda, Jeep e Mini. Com 54.395 registos, o Formentor não só liderou as vendas da Cupra nos primeiros seis meses do ano, como superou igualmente o Ibiza, o modelo mais vendido da SEAT. O Formentor foi também o quinto modelo híbrido plug-in preferido dos europeus, com a versão PHEV a registar um crescimento de 80% comparativamente a 2023. Considerando apenas os dados de junho de 2024, o Formentor foi o segundo modelo híbrido plug-in mais vendido na Europa. Um sucesso inquestionável para a Cupra, mas também, ao ser líder interno de vendas, para a SEAT S.A..
Analisando a restante oferta e deixando de fora da equação o recém-lançado SUV elétrico Tavascan – cujo tempo de mercado é ainda muito reduzido – apenas o, também elétrico, Born revelou uma ligeira descida no primeiro semestre (-5%) comparativamente a 2023, acompanhando a tendência do mercado europeu para viaturas elétricas a bateria. Formentor, Ateca e Leon, por outro lado, registaram subidas de volume de 5%, 58% e 69%, respetivamente. A Cupra vendeu também mais Leon do que a própria SEAT, 32.595 vs. 23.747, embora o Leon com o “S” na grelha seja o modelo com o maior crescimento de todos no seio da SEAT S.A. ao longo dos primeiros seis meses deste ano, com as vendas a subirem 137%.
Na gama da SEAT, o líder de vendas Ibiza – com crescimento de 31% no primeiro semestre do ano – foi seguido de perto pelo Arona e o terceiro lugar do pódio dos primeiros seis meses do ano foi ocupado pelo Ateca. No entanto, ambos os SUV registaram quebras nos seus volumes, uma descida algo residual no caso do Arona, mas mais significativa no Ateca. O Tarraco, apesar de ser o modelo menos procurado da marca, registou uma interessante subida de 31% relativamente ao ano de 2023.
Ainda que o Formentor tenha superado o Ibiza e que a Cupra já tenha conseguido ficar à frente da SEAT nas contas aos Leon matriculados, esta última registou igualmente um crescimento significativo de 14% no primeiro semestre de 2024 graças a um total de 151.650 automóveis matriculados, mais do que o volume total da Cupra no mesmo período. Motivado, ou não, pelo ímpeto da estratégia de implantação e crescimento, bem como pela ofensiva de produto da Cupra, a verdade é que a SEAT, mesmo sem contar com novos modelos na gama, cresceu, contribuindo para os resultados financeiros recorde da SEAT S.A. comunicados no passado mês de agosto.
Cenários possíveis
Apesar da importante modernização implementada no Leon e também das atualizações futuras já confirmadas para os bestsellers Ibiza e Arona, o cenário de incerteza continua, a meu ver, presente na SEAT, mesmo com o crescimento registado. Não tenho uma bola de cristal, mas não estranharia ver a Cupra ultrapassar a SEAT na tabela de vendas dentro de alguns meses, tendo ficado separadas por apenas três lugares e sensivelmente 40.000 automóveis entre janeiro e junho de 2024.
Sendo a ascensão da Cupra algo que me parece, felizmente, inevitável, chegando, ou não às 500 mil unidades/ano, das duas, uma: Ou a Cupra supera a SEAT pela continuidade da dinâmica comercial demonstrada nos últimos anos, fortalecida por uma apelativa gama em crescimento, ou consegue-o de forma antecipada pela saída de cena da SEAT como a conhecemos, algo que, por mais do que um motivo, não me agrada, pois o crescimento registado não é suportado por uma gama eletrificada, algo que, mesmo perante a incerteza energética vivida no setor automóvel, me parece, ainda, absolutamente essencial.
Terramar é o novo trunfo para o “meio milhão”
Mesmo depois de vendidos mais de 700 mil automóveis desde 2018, este não será um plano fácil de concretizar devido aos desafios constantes que os fabricantes enfrentam, mas considerando o volume semestral de cerca de 110.000 veículos e uma taxa de crescimento de quase 20% registada na primeira metade do ano, as 500 mil unidades/ano da Cupra seriam matematicamente atingidas algures em 2030 ou 2031. Uma estimativa na qual não estão contemplados os novos Tavascan e Raval – previsto para 2025 – nem o novo Terramar, o mais recente trunfo que chega com a responsabilidade de expandir os horizontes da estratégia definida, levando a marca a novos segmentos e tipos de cliente, mantendo o espírito disruptivo e identidade da marca. Teoricamente, tem tudo para correr bem, porque há um plano definido e resultados concretos. A SEAT também tem resultados, mas continuo sem saber qual é o plano e isso continua, também, a preocupar-me.