Este Mercedes-Benz W115 esteve adormecido durante 13 anos
Até este dia, nunca tinha conduzido um automóvel tão antigo. Mais do que agradecer ao meu amigo Paulo Silva por mais uma oportunidade de fazer um trabalho diferente daquele que habitualmente faço, quero deixar-lhe também um obrigado pela experiência de conduzir o seu Mercedes-Benz 240D.
Desde o bater de porta ao conforto dos bancos, passando pelo arranque do motor até aos cheiros de um carro com mais de 40 anos, são muitas as sensações a absorver e muitas as recordações a manter. Gostar de carros é isto mesmo. Ter dois dos melhores exemplares de Renault 5 GT Turbo do nosso país, assim como este fabuloso “Benz”, um automóvel totalmente diferente e cuja história o Paulo partilha connosco nas linhas abaixo. Isto só prova a sua verdadeira paixão por automóveis. O prazer de os restaurar, manter e conduzir está aqui bem patente. Neste artigo, mais do que relembrar um mítico modelo da marca da estrela, a história de como um 240D esquecido na escuridão de um barracão encontrou uma nova vida junto de um verdadeiro petrolhead com um gosto particular por clássicos, um bom amigo da Garagem. Obrigado, uma vez mais.
Qual a história deste Mercedes-Benz 240D? Como o encontraste e como foi a sua compra?
Certo dia, em 2012, fui a uma serralharia num grande armazém com várias divisões. Espreitei por um portão entreaberto e lá estava o “Benz” num canto, com os pneus vazios e cheio de pó. Aparentava estar ali há muitos anos e parecia que o destino teimava em que o resto dos seus dias fossem passados ali até, eventualmente, ir parar a uma sucata. Como sou apaixonado por carros, aquela visão mexeu comigo. Fui logo tentar saber de quem era aquele velho Mercedes e, afinal, pertencia à pessoa a quem me dirigi. A minha primeira pergunta foi se ele estava interessado em vender o carro, ao que ele me respondeu que era uma questão de conversar, uma vez que foi o carro de uso diário dele e que teve toda a manutenção necessária sem nunca ter dado quaisquer problemas.
Infelizmente desde 1999 que se encontrava parado, sem nunca mais ter feito nada nele, nem sequer abrir as portas, muito menos colocar o motor a trabalhar. Depois de mais de uma hora de conversa e a tentar fazer ver ao senhor, já com os seus quase 90 anos, que era uma pena aquele ícone de fiabilidade “morrer” ali encostado, lá o consegui convencer a vender-mo. Assim, combinámos que ele iria trazer as chaves e os documentos para que eu pudesse ver melhor o carro da parte da tarde daquele dia.
Almoço a correr, pego na caixa de ferramentas, tiro a bateria do meu carro e lá vou eu de novo. Quando lá cheguei, já tinha as portas e o capot abertos. Fiquei espantado com o motor sem quaisquer “babas”. O chão nem uma pinga de óleo tinha. Os interiores tinham muito pó mas estavam em excelente estado. Por fora fiquei com dúvidas se o carro era amarelo ou bege e os cromados mal se viam pois estavam cobertos de massa para os conservar.
Faltava-me esclarecer a minha maior dúvida: se o motor estaria, ou não, “colado” ao fim de treze anos “adormecido”. Tirei a vareta e vi que o óleo estava no nível mas, como é natural, parecia “pasta”. Coloquei a bateria e sentei-me ao volante. Ponho a chave na ignição e surge o primeiro problema. A chave não roda e não consigo destrancar a direcção. Nada que um pouco de WD40 não resolva.
Depois de ter conseguido, acenderam-se as luzes do painel. Eu sabia que os W115 com motor Diesel tinham a particularidade de “pegar” puxando um botão até aquecer a resistência que tem no tablier, mas nunca tinha tido essa experiência. Puxo e vejo a resistência a começar a aquecer. Tentei ligar o motor mas sem sucesso. De seguida, tento novamente mas desta vez deixei aquecer durante mais tempo, até a resistência estar totalmente incandescente. Dou sinal de arranque e o motor pega com um trabalhar fantástico, sem ruídos estranhos ou fumos exagerados. Fiquei impressionado, pois foi com o gasóleo que estava no depósito!
Encho os pneus, e experimento a embraiagem e a caixa de velocidades, assim como os travões. Tudo estava bom. Combinei então com o senhor para dois dias depois ir tratar da papelada e trazer o “Benz” para casa. Chegou o dia e ele recusa-se a vendê-lo. Disse-me que os filhos não queriam que o carro fosse vendido. Fiquei aborrecido, obviamente, mas tive que o esquecer…até Setembro de 2015.
Nesse ano, por acaso, reencontro-me com o Mercedes, desta vez já na rua, mas com o mesmo aspecto que tinha no armazém. Depois de algumas tentativas e contactos, consegui falar de novo com o dono. Disse-me que tinha o carro na rua porque entregou o armazém e que já aceita vender o carro. Marcámos um dia para falarmos de novo. Entretanto, já tinham sido substituídos os tubos de travão e o óleo do motor. Lá acertámos os valores e desta vez fui preparado. Tratei de tudo na hora e o Mercedes veio naquele instante comigo, deixando o dono emocionado, a ver o companheiro de tantos anos ir embora, mesmo sabendo que ia para boas mãos.
Que trabalho fizeste nele?
Depois de chegar a casa foi tempo de explorar tudo no carro. Tinha alguns problemas eléctricos. Não dava piscas, os limpa pára-brisas não funcionavam e, naturalmente, o ar condicionado também não, pois necessitava da alteração para o tipo de gás que se usa actualmente. Consegui encontrar um botão de quatro piscas que faz de automático, substituí todos os fusíveis e tudo ficou a funcionar. Seguiu para a inspecção, quinze anos depois da última e, por incrível que pareça, foi aprovado sem qualquer averbamento. Ao nível da carroçaria fiz uma lavagem profunda e um polimento, mas sem fazer o acabamento final e sem aplicar selante.
Aproximavam-se uns dias de férias na semana seguinte e meti na cabeça a ideia de que iria no Mercedes gozá-las. Substituí o óleo do diferencial e da caixa de velocidades, assim como as três correias do motor. Já com o depósito atestado, fiz-me à estrada partindo para esta grande aventura que começou com 300 quilómetros seguidos em auto-estrada. À chegada, confirmei os níveis e tudo estava óptimo, sem qualquer consumo de óleo ou de água. Assim continuou até que atingi os 1900 quilómetros de viagem, já no regresso a casa, quando a bomba de água começou a verter e obrigou-me a chamar a assistência em viagem. Substituí a bomba de água, limpei todo o circuito de refrigeração e apliquei líquido de radiador. Mudei, também, o óleo de motor (20W50 edição Mercedes-Benz Classic) e o respectivo filtro, o filtro de combustível e a junta da tampa de válvulas porque tinha uma pequena fuga. Ao analisar os restantes elementos mecânicos, reparei que a suspensão traseira era hidráulica, algo muito raro nos sedan, pelo que também substitui o óleo do sistema.
Depois dos Renault 5 GT Turbo, o que te levou a comprar um carro tão diferente?
Na altura, não andava à procura de um, sinceramente. Comprei-o porque foi um verdadeiro achado, assim como por ser um modelo que desde sempre me despertou muito interesse, pois já sabia um pouco da história dos W115, por muitos considerados como autênticos ícones de fiabilidade e qualidade de construção. Sem dúvida algo muito diferente dos Renault 5 GT Turbo que foram pensados para propósitos totalmente diferentes. Os GT Turbo são as essenciais vitaminas e a adrenalina e o “Benz” representa o relaxamento e a descontracção necessária para as viagens e passeios, mas sempre com classe!
Como descreves a sua condução?
Ao volante, destaco a direcção assistida leve e uma brecagem impressionante que fazem com que se manobre facilmente o carro, fazendo esquecer os seus quase cinco metros de comprimento. Porém, para mim, o mais impressionante e o que me faz esquecer totalmente que estou ao volante de um carro com mais de 40 anos é o conforto e a estabilidade. Relativamente ao primeiro, há que destacar os bancos que mais parecem sofás, com apoios de braço à frente e atrás, e um enorme espaço interior. Em andamento, mal se notam as irregularidades do piso. A suspensão traseira hidráulica é uma mais-valia, pois mantém sempre o veículo nivelado.
Depois da fiabilidade mecânica, o seu conforto e estabilidade são os pontos fortes, sendo, sem dúvida, melhores do que na maioria dos carros actuais. Os travões de disco nas quatro rodas cumprem perfeitamente a função de parar os quase 1400 kg. Relativamente a performances, o motor 2.4 litros cumpre bem a sua tarefa mas é bastante lento, obviamente, estando acoplado a uma caixa de quatro velocidades. Para mim, o ponto mais negativo é o ruído do motor acima dos 110 km/h em auto-estrada, sentido-se a falta de uma quinta relação, algo que já existia na época, mas que fazia parte dos opcionais. Resumindo, posso dizer que a condução é fantástica em todas as situações, sendo perfeito em condução por estradas nacionais enquanto desfrutamos da paisagem.
Qual o melhor momento que recordas ao volante deste carro? Parece-me um excelente daily driver. Como é usá-lo no dia-a-dia?
O melhor momento foi a primeira viagem que fiz nele. Foram 500 quilómetros num só dia, sempre por nacionais, a desfrutar da excelente condução nas estradas fantásticas do nosso país, terminando depois o dia na bela aldeia histórica do Piodão. Relativamente à tua segunda pergunta, este deve ser um dos melhores clássicos a escolher para usar diariamente, pois tem um motor a gasóleo extremamente fiável e que é capaz de fazer bons consumos (médias de 7 lt/100 km). A sua condução é simples e agradável e tem muito espaço interior, assim como o indispensável ar condicionado e uma bagageira enorme. Tudo isto com muita classe!
Porque preferes os automóveis clássicos?
Trabalho diariamente com carros recentes. São, sem dúvida, muito evoluídos e cada vez melhores para as nossas necessidades diárias, assim como para o meio ambiente. Mas por muitas coisas boas que tenham e ofereçam, para mim, não passam de objectos de consumo. Por muito especial que seja um determinado modelo, dificilmente chegará a ser um verdadeiro clássico. Hoje em dia são poucas as coisas que diferenciam as marcas, é tudo muito idêntico, até nas cores.
No mundo dos clássicos é tudo diferente. Cada marca mostra o seu carácter. Antigamente conseguia-se diferenciar as marcas dos carros pelo trabalhar do motor. Outros tempos! São estes factores, entre outros, que me fazem preferir os clássicos. É tudo mais mecânico e mais puro, para além de se marcar a diferença por onde se passa. Ter um clássico é manter viva a história automóvel! É o meu único vício. Uma paixão que nasceu comigo, que continua e que vai aumentando. Um gosto que apenas quem sofre do mesmo “mal” consegue entender! Poderei ter de abrandar, pois existem outras prioridades, mas parar, nunca!