Mazda CX-30 e a Câmara dos Segredos
Primeiro surgiu o CX-5, um SUV de grandes dimensões, e mais tarde o CX-3, um SUV de características mais urbanas, duas propostas distantes entre si, mas que conquistaram milhares de clientes por toda a Europa, Portugal incluído. Tal deveu-se a um inspirado design Kodo, que rompeu, por completo, com o passado das linhas da marca de Hiroshima, acompanhado por um pulo de dimensões gigantescas em termos tecnológicos, em todos os domínios, pela implementação da assinatura Skyactiv Technology. Mas ainda nenhum desses dois conta com o “segredo” do carro que hoje aqui se ensaia, o SUV Mazda CX-30, uma versão que lhes é intermédia, aqui equipada com um novo motor chamado Skyactiv-X.
Sim, como em qualquer segredo que se preze, tinha que haver um “X”, qual tesouro escondido num qualquer local recôndito do planeta e que apenas se pode encontrar com recurso a um mapa. E a Mazda tem esse mapa, aliás, desenhou-o na íntegra, num grito ao mundo que espelha novo desafio ao convencional, em que se desobriga de seguir os caminhos traçados pelos demais só porque é a regra, preferindo definir o seu próprio percurso, assumindo os inerentes riscos.
Nascia, assim, o bloco 2.0 Skyactiv-X, uma unidade de 180 cavalos que trabalha com gasolina, mas que em determinadas alturas opera como se fosse um Diesel, lembrando-se, sob certas condições, de que é, de facto uma mecânica para lidar com maiores volumes de octanas. É assim como se se transformasse, consoante os apetites do dono. Como?
Uma aulinha em 3 tempos
Tempo 1 – Simplifiquemos! Quer sejam a gasóleo ou a gasolina, os motores convertem a sua energia química em energia mecânica, fruto das explosões geradas no interior das câmaras de combustão, diferentes na sua forma. Num bloco a gasolina, o combustível é misturado com ar na fase de admissão, depois o pistão sobe e comprime a mistura, uma vela de ignição inflama-a, para depois o mesmo pistão descer e voltar a subir, pressionando os gases gerados pela respectiva válvula de escape; num bloco a gasóleo comum, onde velas de ignição é coisa que não existe, na fase de admissão a válvula abre-se, o ar entra e o pistão desce, subindo depois para comprimir o ar, a uma taxa de compressão muito maior, gerando maiores temperaturas, injectando-se apenas o combustível no momento ideal, só aí se gerando a explosão. Depois de descer, o pistão volta a subir e, à semelhança do anterior, pressiona os gases pela válvula de escape, num processo que tem uma maior eficiência térmica e que gera consumos mais baixos, duas das razões principais para o sucesso dos motores Diesel.
Tempo 2 – O approach dos iluminados engenheiros da Mazda. Enquanto os demais actores do mercado automóvel arranjaram soluções para ambos os tipos de motores, recorrendo a turbocompressores e/ou reduzindo as cilindradas, a Mazda também o fez, dotando alguns blocos com turbos, mas abdicando, em definitivo, do downsizing, mas juntando um ligeiro – diríamos enorme mesmo – extra twist: aproveitando tudo o que aprendeu e apreendeu das potencialidades da sua Skyactiv Technology, continuou a evoluir os seus blocos “D” (Diesel) e “G” (gasolina), ao mesmo tempo que encontrou, uma espécie de meio-termo entre os dois, este “X”!
Tempo 3 – O tesouro escondido. A Mazda criou, assim, o Skyactiv-X, um radical conceito de engenharia que integra um sistema chamado SPCCI – Ignição por Compressão Controlada por Faísca, que alterna, sem que seja perceptível ao condutor, entre a ignição por faísca convencional e a combustão através de ignição por compressão. Sim, há aquela máxima popular de “quando a esmola é muita o pobre desconfia”, mas nem aqui há qualquer esmola, fruto de um avultado investimento no projecto, como também não há aqui pobres, pois a opção por este motor com compressor volumétrico implica, do cliente, um investimento adicional na ordem dos € 4.600 face às equivalentes unidades de 122 cavalos de potência, corcéis extraídos, também eles, de um bloco 2.0 Skyactiv-G, que tem, naturalmente, performances menos robustas mas que, ainda assim, é interessante.
Recordando o parágrafo atrás onde se explicam os modos de funcionamento dos motores Diesel e a gasolina, aqui no “X” faz-se um mix, num processo de injecção dividido, criando-se duas zonas de mistura ar/combustível no interior da câmara de combustão. As válvulas abrem-se e é-lhe injectada uma mistura muito pobre, seguida de uma compressão, altura em que se injecta combustível atomizado numa zona precisa, em redor do topo da vela, gerando-se um núcleo mais rico. Quando se dá a faísca, o mesmo inflama-se e aumenta a pressão no interior da câmara, a tal ponto em que a tal mistura mais pobre também explode. Tal permite que o motor opere, assim, de um modo muito eficiente em quase todas as faixas de rotação, sendo excepções no arranque a frio, as fases iniciais de aquecimento e sob cargas muito elevadas (ex.: como se fossemos tirar o pai da forca). Nestas circunstâncias, o motor alterna para um modo normal, inflamando uma mistura de ar e combustível perfeita, digamos, mais convencional.
Com 180 cavalos às 6.000 rpm e um binário máximo de 224 Nm às 3.000 rpm, o bloco Skyactiv-X de 1.998 cm3 aplicado neste Mazda CX-30 está aqui associado a uma caixa de 6 velocidades, de comando curtinho e engrenagem tipo kart – outra das deliciosas assinaturas da marca – gerando consumos (anunciados) na ordem dos 5,9 lt/100 km e emissões de CO2 a partir dos 133 g/km, num bloco que abdica de um conversor catalítico de NOx, do tipo SCR, e dos obrigatórios reabastecimentos de AdBlue. Com uma tara de 1.368 kg, permite-se alcançar uma velocidade máxima de 204 km/h e uma reprise dos 0 aos 100 km/h em apenas 8,5 segundos.
E funciona? Se funciona e sem se notar
Combinando a elevada performance de rotações de um motor a gasolina com a economia, binário e resposta imediata de um Diesel, este Skyactiv-X a gasolina que pensa que é um Diesel gera benefícios ao nível da resposta, pois sempre que acelerámos a potência estava lá, contribuindo para uma condução sem qualquer esforço, semelhante à da maioria dos actuais modelos da marca, dando uma sensação de rotação livre e de suavidade de rolamento, tudo coadjuvado pelo sistema GVC Plus, outra tecnologia que lhe melhora a estabilidade dinâmica.
No que se refere às emissões, vamos acreditar nas declaradas, pois não tivemos modo de as medir, olhando antes para os gastos de fuel no tempo em que tivemos o volante deste tesouro nas mãos. Claro que se pisássemos no acelerador, o “X” – não esquecer que estamos a falar de um 2 litros – desatava a beber quase na mesma proporção, mas em condições mais normais de condução as médias andaram sempre na casa dos 7,0/7,8 litros aos 100 km, viagens em que o meio urbano se misturou com auto-estradas e vias rápidas, mesmo que ultrapassássemos (um pouquinho) as velocidades máximas permitidas. Levando-o ao colinho, adoptando uma condução 100% consciente e responsável, conseguem-se as tais médias de 6,5 litros aos 100, o que é deveras impressionante!
A ajudar o conjunto está um sistema mild-hybrid de 24 volts, com uma bateria de iões de lítio que armazena a energia gerada pelos processos de travagem e desaceleração, para alimentação de diversos componentes, nomeadamente eléctricos. O processo pode ser seguido em tempo real no ecrã central TFT de 8,8 polegadas, onde também se indicam as médias, do momento e de deslocações anteriores, entre outras informações pertinentes, detalhes igualmente expressos no cluster digital, em frente ao condutor.
Qualidade de construção, exterior e interior, materiais de elevado requinte, de uma marca que quer assumir-se com ambições premium, e conforto são outros dos adjectivos, tal como o espaço, para passageiros, semelhante ao SUV maior CX-5, e para bagagem e compras, carregados por um amplo portão traseiro, nesta versão equipada com sistema automático de abertura e fecho. Neste domínio resolveu-se, também, uma das críticas que o crossover mais pequeno sofreu, disponibilizando-se 430 litros VDA e 1.406 litros com os bancos rebatidos e carregadinho até ao tejadilho (nota: 350 e 1.260 litros no CX-3), num modelo que mede 4,395 metros de comprimento, por 2,04 de largura entre espelhos e 1,54 de altura.
Tudo isto por pouco mais de € 34.500
É, assim, como que o melhor de dois mundos o bloco integrante deste SUV Mazda CX-30 2.0 Skyactiv-X Evolve Pack Active, aqui ensaiado na variante de duas rodas motrizes, e que – delicia das delícias – nos chegou às mãos no cativante Soul Red Crystal, a mesmíssima cor do Mazda3 HB Skyactiv-D automático que vos trouxemos em Janeiro último! Sim, I’m in love, I’m definitely in love!
Mesmo sem gerar o mesmo impacto visual do Mazda3 HB, pois os obrigatórios contornos em fibra plastificada na parte inferior da carroçaria e cavas de rodas deste SUV tiram-lhe um pouco do brilho emanado pelas linhas límpidas de arestas do design Kodo, ainda assim é um chamariz suficientemente atractivo para gerar um conjunto de olhares entre os transeuntes.
Numa proposta que conta com as bonitas jantes de 18 polegadas e 5 raios duplos, em cinzento maquinado, com pneus 215/45 R18, fazem também parte os múltiplos alertas acústico/visuais – desvios, excessos, aproximações, estacionamentos, luzes, travagens, detecção, alerta de atenção, etc – somando-se-lhes a câmara de visão traseira, os sensores de estacionamento à frente, os vidros traseiros escurecidos e a chave inteligente, tudo inerente ao pacote Active.
Todo este interface é configurável pelo comando rotativo entre os bancos, tal como os sistemas de áudio, de navegação e de comunicações via telemóvel, sendo igualmente operáveis nos múltiplos botões no volante, num processo integrado no avançado sistema multimédia MZD Connect, que permite interligações aos Apple Car Play / Android Auto das nossas vidas. A consola entre os bancos integrava, no seu fundo, o carregador wireless para telemóveis com compatibilidade QI, enquanto na bagageira um tapete específico (acessórios à venda por € 150 e € 88, respectivamente; IVA não incluído).
Recorrendo ao configurador da Mazda, esta versão ensaiada pela sua Garagem estará à venda por € 34.787, valor que não contempla as despesas associadas ao processo de aquisição. Se o quiser rechear ainda mais, numa espécie de “tudo incluído”, com os conteúdos dos packs Sound, Safety e Sport ou com extras como a caixa automática de 8 velocidades, o tejadilho de abrir eléctrico, a tracção às 4 rodas i-Activ AWD, ou os estofos em pele (vermelha ou branca), aqui já na versão de topo Excellence, os preços podem atingir os € 44.500, sem despesas, ou ainda um pouco mais se acrescentar os múltiplos assessórios disponíveis no catálogo da marca. No domínio das cores, este SUV intermédio da gama Mazda pode, também, ser comprado num branco sólido (sem custo associado), num Machine Gray (€ 550), ficando a restante palete de mais 9 tons (€ 400).
Prémios, prémios, prémios…
Resta-me acrescentar que, no final de Fevereiro, a tecnologia Skyactiv-X viu-se distinguida a com o troféu de ‘Inovação e Tecnologia 2020’, no âmbito dos galardões ‘Essilor Carro do Ano/Troféu Volante de Cristal 2020’, revelando-se o preferido do conjunto dos 19 jurados da iniciativa, entre as novas tecnologias lançadas em Portugal em 2019.
Na vertente modelo, o CX-30 é, como o dissemos há dias, um dos três finalistas dos ‘2020 World Car Awards’, acção que termina a 8 de Abril próximo, isto depois de no domínio da segurança este mesmo SUV ter alcançado, em 2019, as ‘5 Estrelas’ da Euro NCAP na Europa – foi considerado um dos modelos mais equilibrados do ano e o melhor na protecção de adultos (um score de 99%) – e já este ano a referência ‘Top Safety Pick’ do norte-americano Insurance Institute for Highway Safety (IIHS), resultados inerentes à adopção das soluções integradas na mais recente Skyactiv-Vehicle Architecture.
Em suma, com este SUV intermédio a Mazda corrigiu a mão nos erros apontados pelos clientes para com o competente mas mais acanhado CX-3 e reduziu substancialmente a fasquia no valor que é preciso para comprar um CX-5. Este ‘zero’ adicional na sua denominação trouxe consigo mais espaço útil, para passageiros e bagagem, mas não é esse caractere que dá o spark a esta unidade aqui ensaiada. O factor de diferenciação é mesmo o “X”, gerado na sua “câmara dos segredos”.
Fotos: Garagem e oficiais