Desafio #5: Passado & Presente – Um “2 em 1” por 50 mil euros
A proposta deste quinto desafio dos mecânicos da Garagem é algo neste género: conjugar o presente automóvel e um seu antepassado (de preferência), numa espécie de “2 em 1” balizado por um orçamento que não ultrapasse os 50 mil euros. Os exemplos são hoje diversos, sendo rara é a marca que, ultimamente, não sofreu com a síndrome retro, rebuscando no seu passado a génese de modelos que marcaram a sua história, apresentando ao mundo um novo modelo inspirado em (alguns) desses conceitos do antigamente, muitas vezes apostando na electricidade.
Exemplos? Para além do meu, estou curioso com os dos nossos restantes mecânicos – 3 ‘eles’ e 1 ‘ela’ (a que, de vez em quando, lá tenta pôr ordem na… oficina), mas só vou saber quando este texto for publicado na íntegra! Será que há matches?
Jota Pê – Honda e vs. Honda N600
Eis dois carrinhos da japonesa Honda separados pelo tempo: o novo ‘e’, urban car 100% eléctrico, e o N600… de 1967. A associação fí-la em 2017, no preciso momento em que o Urban EV Concept surgiu em Frankfurt. “Eis o Honda N600 do Século XXI”, pensei, de imediato apaixonado por tão curiosa (re)criação.
Escolho a versão e Advance, com um motorzinho 100% eléctrico de 32 kWh/154 cv (isento de IUC), autonomia mais que fixe de 282 quilómetros e espaço q.b., e gadgets – retrovisores tipo câmara, painel interactivo de cinco ecrãs e um pacote hi-tech operável, em parte, na ‘My Honda+ App’. Os custos, já com papelada e pintura especial Crystal Blue Metallic, ficam abaixo dos 40 mil €. Sim… é puxadinho face ao size XS, mas pronto!
De design minimalista e inspiração retro-futurista, o ‘e’ levou-me à minha infância, a um N600 vermelho (de look racing) que houve lá por casa, modelo que a marca produziu para os mercados internacionais, após o sucesso do N360 no Japão. São quase três metros de carro, dois certinhos de distância entre eixos, duas portas, 595 kg, tracção à frente, mais um motor dois cilindros mínimo a gasolina (598 cc) com 46 cv e caixa manual de quatro velocidades. Este levezinho atingia os 130 km/h e bebia 7,0 lt/100 km. Uau!
Ainda com 10 mil euros no bolso, nos portais de usados há-os, de mil a 5 mil euros. De fora ficam, claro, os N600 de colecção ou os que ostentam o selo oficial de ‘clássico’, de uma relíquia já muito rara e que viu pouco mais de 25 mil unidades produzidas.
Se encontrar peças para o N600 será uma task hercúlea, pior será carregar o ‘e’ num 3º andar e sem grande oferta ao pé de casa! Mas, se me apressar na reserva, com 500 euros (a diluir no preço final), dão-me um cabo tipo 2 de borliú. Só espero é que seja suficientemente longo para chegar à Honda Power Charger instalada na sala…!
D.L. – Microlino vs. BMW Isetta
Depois de uma pesquisa demorada, tinha dois carros em mente para este desafio. No entanto, quase por milagre, lá tive uma daquelas reflexões matinais, ainda com os olhos fechados e sem saber bem onde estava, e lembrei-me de dois modelos. São de tal maneira óbvios que não sei como me pude esquecer deles. Ora então, 50 mil euros para gastar num carro eléctrico e num seu equivalente do passado? Microlino e BMW Isetta. Numa altura em que as criações retro estão na moda, é impossível olhar para o Microlino e não ver uma reinterpretação do BMW Isetta.
A grande diferença é que o Microlino é suíço e aderiu às modas, que é como quem diz, prefere electricidade a combustível. Disponível em duas capacidades de bateria, 8 kWh (até 125 quilómetros de autonomia) ou 14,4 kWh (até 200 quilómetros), tem argumentos suficientes para a cidade. Para além disso apenas precisa de quatro horas para carregar numa tomada doméstica. Ao nível estético, é um daqueles carros que deixa marca quando passa e, no interior, tem capacidade para duas pessoas e o volante “ligado” à porta. Apesar de só estar disponível em 2021, sabemos que a versão com a bateria maior ronda os 16 mil euros.
O que dizer da inspiração, o pequeno BMW Isetta? Para falar deste carro temos de ir a Itália. Sim, é isso mesmo. O Isetta foi criado pela empresa italiana ISO Automotoveicoli que o apresentou em 1953 no Salão Automóvel de Turim. Apenas mais tarde, em 1955, a ISO concedeu a licença à BMW para produzir o BMW Isetta. Este era impulsionado por um motor monocilíndrico com 243 cc.
Em suma, o Isetta foi criado como um automóvel de baixo custo para a realidade económica do pós-guerra. Agora, o Microlino pretende reavivar um design engraçado e peculiar, mas com outras premissas: ser cool e totalmente eléctrico. Na minha opinião, é uma das melhores reinterpretações retro da actualidade.
João Isaac – Um 208 e um “208 do passado” com sigla histórica
Comprar um eléctrico? Hum, não estava à espera disto, admito. Acho que são essenciais para a nossa mobilidade futura, mais limpa e respeitadora pelo meio ambiente que todos partilhamos, mas para já, permitam-me ser um pouco egoísta e dizer que como único carro na minha “garagem”, não chega. Preciso do prazer de utilização de um motor a gasolina, do seu som e calor, tudo aquilo que o eléctrico vem melhorar, bem sei. Mas carregar a bateria de um eléctrico pode ser um problema sem solução fácil para condutores como eu. Primeiro porque não tenho garagem, depois porque os postos públicos nem sempre estão à altura das necessidades, nem em velocidade de carregamento, nem em proximidade e/ou disponibilidade.
Felizmente, para este desafio, com 50 mil euros no bolso, posso comprar um segundo carro do passado que esteja de alguma forma ligado ao primeiro. Isto acelerou imenso a minha decisão, pois fico com dois carros lindíssimos lado a lado. Um eléctrico, na minha opinião e por muito que admire a beleza e performance dos Model S e 3 da Tesla, quer-se pequeno, ideal para cidade, ambiente onde brilham. Visualmente, deve idêntico aos demais com motor térmico, seja bonito ou feio aos olhos de quem o vê, mas sem parecer uma sapatilha vinda do futuro ou um peixe jurássico oriundo da fossa das Marianas. Um eléctrico tem de ser, vá, um carro, como os outros. E no que ao design diz respeito, o Peugeot e-208 é um verdadeiro estrondo de automóvel. Escolho o GT Line, em Azul Vertigo, e 34 mil euros desta brincadeira cara já lá vão.
Como é fácil concluir, o meu segundo carro é o mítico 205 GTI. Um carro que nunca conduzi, nem sequer nele andei como passageiro, mas de que sempre gostei desde miúdo. Mas onde está a ligação – para além da óbvia sucessão numérica de modelos de um mesmo segmento – perguntam vocês. Pois bem, está no que não se vê, nos valores da marca, na performance, embora silenciosa e no design desportivo e jovial, aí sim, visível. Olhem bem para o terceiro pilar do 208 ou para o desenho da janela traseira, por exemplo. Sei que encontrar um GTI em estado original e com preço abaixo de 15 mil euros começa a ser complicado, mas ainda é possível. Depois, com o pouco dinheiro que sobra, compro um terceiro Peugeot para a cidade propriamente dita e aí nem o irrequieto e-208 o bate: uma scooter Django! Porquê? Porque sim! Porque gosto da pinta retro e porque a Peugeot tem uma experiência enorme na mobilidade em formato de duas rodas. E porque os 50 mil euros são meus, pronto!
Mariana Figueiredo – Do mítico Patrol ao novo Leaf
Para este complexo desafio, decidi escolher um familiar compacto, ambientalmente responsável, para o dia-a-dia onde temos responsabilidades: família, trabalho e temos de brincar aos crescidos, com todos os devidos descontos para o estado e tudo. Escolhi o Nissan Leaf. Apesar de parecer aquele colega de escola que faz os apontamentos todos direitinhos, metódico e tal, é, também, jovem, leve e honesto e um óptimo value for money. E a autonomia não envergonha: cerca de 30 mil euros compram a versão de 40 kW, o suficiente para as voltas na cidade.
Já para o seu primo muito afastado, de outra época, (é mais um tio-avô) escolhi um carro que a cada aceleração mata um golfinho. Aviso já que a escolha é meio louca e provavelmente não estavam à espera, mas a vida é mesmo assim, há que aceitar. A semana tem os dias úteis para o Leaf e para os dias inúteis temos o Nissan Patrol 160 de 1989, com a pintura num creme sujo e as riscas cor de laranja de lado. Ah pois, melhor que isto só a dizer Baywatch. É um todo o terreno daqueles pujantes, para andar a lavrar o mato ou andar pelo menos bem mais alta que os outros condutores e policiar quem anda a mexer nos telemóveis enquanto conduz! Eu estou a ver-vos, seus malandros! Creio que consigo comprá-lo por cerca de 5 a 10 mil euros, dependendo do estado e qualidade geral (das minhas técnicas de negociação), e com o dinheiro que sobra consigo arranjá-lo, porque vai certamente precisar de retoques. Primeiro, por ser velhote e, segundo, porque provavelmente vai andar sempre esganado e cheio de panadas pelo fora-de-estrada.
É um modelo com muita história, cujo início remonta à década de 50, com aquele estilo de safari, todo tarzan-chiq, e que tem imenso em comum com o Nissan Leaf, sobretudo, e essencialmente, no logo.
Rafael Aragão – Peugeot e-208 e Peugeot 205 GTI
O senhor JP decidiu elevar um pouco a bitola deste desafio e lançar-nos para o mundo da nostalgia, mas com um tecto orçamental relativamente baixo. Digo isto porque, como sabes, os carros clássicos estão cada vez mais caros e quando falamos de clássicos vamos parar, invariavelmente, àqueles que fazem derreter até o coração do menos interessado pelo assunto. Datsun 240Z, Alfa Romeo GT 1600, enfim, os verdadeiros clássicos para usar todos os dias. Já nem vou falar dos clássicos superdesportivos, porque isso já são valores astronómicos e quem os compra, infelizmente, dá-lhes pouco ou nenhum uso.
Sendo assim, e tendo de escolher um modelo actual e um seu antepassado por menos de 50 mil euros, decidi-me por um eléctrico moderno – a solução perfeita para mais de metade dos condutores – e a sua geração de há uns trinta e poucos anos. Aliás, acredito que a equipa vai andar toda por estes lados. Eu escolho o Peugeot e-208, Car of The Year 2020, eléctrico, e o seu pai, a combustão, Peugeot 205 GTI… claaaaaro! Tudo somado – e tendo em conta que encontrei um GTI que me pareceu bastante saudável por 8 mil euros – ficamos com a factura nos 41 mil e tal euros. Sobram quase 9 mil para dar uma frescura ao GTI (porque é quase certo que vai precisar) e para pagar as despesas e combustível para uns anos.
Curiosamente, o GTI que vi tinha sido adaptado para gás. Lá está: os mais velhos resmungam, mas eventualmente acabam por dar razão aos mais novos. O e-208 tem preços desde os 31 até aos 37 mil euros por isso eu fiquei-me ali pelo GT Line que já traz faróis LED, jantes de 17 polegadas, vidros escurecidos, infotainment supimpa e muitos sistemas de segurança. A cor Amarelo Faro e talvez adicionasse o tecto de abrir panorâmico em vidro por mais mil euros, vá. 136 cavalos, 260 Nm de binário imediato e bem mais de 300 quilómetros de autonomia são uma receita para um carro divertido, útil e com uma pinta muito boa. E depois o GTI para quando queremos algo um pouco melhor.
Fotos: oficiais