MG Metro 6R4: A aposta para o Mundial de Ralis que pecou por tardia
Criação de 1984 para os tempos áureos do Grupo B, o patamar de topo do Campeonato do Mundo de Ralis, para se bater com as referências da altura – Audi Sport Quattro S1, Ford RS 200, Peugeot 205 Turbo 16 E2 e Lancia Delta S4, entre outros – o peculiar MG Metro 6R4 chegou envolto em enorme expectativa. Razão: o facto do britânico apostar num motor aspirado, quando todos os seus principais concorrentes eram todos turbocomprimidos, num aparente contrasenso!
De facto, o coração da máquina do Austin Rover WRT era um V6 DOHC de 2991 cc, com uma potência (anunciada) na ordem dos 380 cv às 8.200 rpm, para um binário de 370 Nm às 6500, versões conhecidas como ‘International’, usadas pela equipa oficial. Depois havia as variantes ‘Clubman’, menos potentes (na ordem dos 250 cv) destinadas a outro tipo de cliente, menos – digamos – exigente ou hábil na lidação de tamanha coudelaria! De colocação central (à semelhança do Renault 5 Turbo Maxi) e sem recurso a um turbo, estava acoplada a um sistema de tracção integral e a uma caixa manual de 5 velocidades.
Outra vantagem era o peso, numa estrutura de 1.040 kg, construída maioritariamente por painéis em kevlar e alumínio, em suporte ao chassis de aço. Mesmo assim, era 130 kg mais pesado do que o 205 T16 E2 e também do que o peso-pluma Delta S4, com os seus magros 890 kg. Já agora, o peso de referência do RS 200 era de 1.140 kg e o do brutal Sport Quattro S1 de 1.200 kg.
Nascia, assim, o denominado projecto “VHPD – Very High Performance Derivative”, cujos primeiros testes decorreram em Fevereiro de 1983, no máximo secretismo, numa pista de aviação. Do protótipo inicial até ao projecto final, muito se alterou e apurou, de modo a que, um ano depois, se iniciasse a participação em ralis britânicos, testes em condições reais. A primeira vitória do 6R4 – ainda em versão ainda não homologada – só aconteceria no Rally de Gwynedd, no País de Gales, em Fevereiro de 1985.
Daqui à sua homologação final, feita pela então FISA (Federação Internacional do Desporto Automóvel) a 2 de Novembro desse ano, com a referência “B-277”, foi um pulinho, pelo que aproveitando as suas raízes britânicas, o palco para a sua estreia entre os grandes fez-se, muito naturalmente, em casa, no Lombard RAC Rally de ‘85.
Da estreia no pódio ao descalabro
A primeira aparição oficial viu-se, aliás, premiada com uma algo inesperada mas excelente subida ao pódio, fruto do fantástico 3º lugar alcançado pela dupla britânica Tony Pond/Rob Arthur, enquanto o segundo carro, entregue a Malcolm Wilson / Nigel Harris, ficou pelo caminho com problemas de transmissão.
Aliás, este viria a ser o único resultado de relevo do pequeno Metro 6R4 no WRC, pois tendo participado na maioria dos ralis do Mundial de 1986 corridos em solo europeu, os abandonos sucederam-se, fruto de inúmeros problemas de fiabilidade do 6R4, pelo difícil relacionamento entre alguns dos seus componentes.
Terminaram, assim, a zero as participações em Monte Carlo, Suécia, Portugal (nota: fruto de um acidente na Lagoa Azul, todas as equipas oficiais abandonaram o rali em massa, em protesto com a falta de condições) e Volta à Córsega (nota: rali em que Henri Toivonen e Sérgio Cresto perderam a vida, após despiste e explosão do seu Lancia Delta S4). Só na segunda parte do ano surgiram alguns resultados dentro do top-10, com 3 carros nas 7ª, 8ª e 10ª posições do difícil ‘1000 Lagos’ (agora Rali da Finlândia), com o semi-oficial Per Eklund a bater os carros oficiais da Austin Rover WRT, e depois um 4º lugar de Malcolm Wilson em Sanremo (nota: a prova que envolveu várias desclassificações e protestos, para depois os resultados finais não contarem para o Mundial desse ano). No seu Rally RAC, a marca inscreveu nada menos do que 5 equipas, 4 delas terminando nos 6º, 7ª, 8º e 9º lugares, com Tony Pond como o melhor representante, logo à frente do entretanto promovido a oficial Eklund, que fez, de novo, a vida negra aos habituais homens da casa. Já Wilson, por seu turno, não foi além da 17ª posição.
Nesse ano, só Didier Auriol deu uma alegria maior à marca, com a conquista do título francês de ralis, depois de garantir 5 vitórias (em 9 provas), uma delas em Antibes, a contar para o Europeu. O francês afirmou mesmo ter a máquina britânica bem em conta, considerando-o um dos seus carros favoritos, nomeadamente em pisos de asfalto. Para além dele, apenas David Llewellin (Circuito da Irlanda), Marc Duez (Hunsruck), Jimmy McRae (Ulster) e, de novo, Tony Pond (Manx) levaram o peculiar Metro 6R4 ao topo do pódio em ralis com algum renome, registando-se, naturalmente, outros sucessos a nível mais nacional/regional.
Do WRC para o rallycross e outras vertentes de motorsport
Como se não bastasse, outra situação veio a mostrar-se fatal: a morte que no ano seguinte seria infligida ao Grupo B pela entretanto renomeada FIA (Federação Internacional do Desporto Automóvel) devido à escalada de potências dos motores – falava-se em patamares muito acima dos homologados 500 cv – e do descontrolado recurso a materiais compósitos, mais leves mas também mais inflamáveis, factores que tiveram algum peso significativo nos graves acidentes ocorridos com carros daquele que era o patamar de topo dos ralis, ceifando a vida a vários pilotos. A partir de 1 de Janeiro de 1987 os Grupo B deixavam, assim, de poder participar nos ralis dos principais campeonatos sob a égide da FIA.
Com a grande maioria das 200 unidades, construídas no espaço de 3 meses (de Agosto a Outubro de 1985), ainda em perfeito estado de utilização – era o número necessário, à altura, para homologação de um veículo naquela categoria – o Metro 6R4 passou, depois, a ser utilizado noutras séries, nomeadamente em diferentes campeonatos nacionais que aceitassem carros sem homologação, nomeadamente as de cunho britânico, em versões de potências limitadas a 300 cv, as tais versões ‘Clubman’. Outras foram reconvertidas em viaturas de estrada e vendidas como tal.
Afastado da alta roda dos ralis mundiais, o Metro 6R4 viria a participar em diversos campeonatos de rallycross, uma categoria em plena expansão, tendo neste particular elevado o britânico Will Gollop à conquista do ceptro maior do Europeu de 1992, numa versão bi-turbo de 700 cv (declarados). Curiosamente, no ano seguinte, os ex-Grupo B também perdiam a homologação para esta disciplina!
Mais recentemente, o 6R4 tem sido presença mais ou menos assídua em eventos de ralis de cariz mais histórico, do tipo “Rally Legends”, como se viu há um ano no nosso RallySpirit Altronix, pelas mãos de Reinhard Klein. Entretanto, Chris Ingram inscreveu-se com um Metro 6R4 no novel ‘ERC Legends 2020’, categoria de spin-off do Europeu de Ralis.
Noutro patamar bem mais acessível, MG Metro de produção e, por isso, mais civil, serviu de base a inúmeros competitivos troféus, de ralis e de velocidade, um deles levado a cabo no nosso país, na década de 80, pela Rover Portugal. Não havendo grande informação disponível, sabe-se que o troféu recorria a viaturas praticamente de série, apenas com os órgãos de segurança obrigatórios, tendo como base um motor que tinha pouco mais de 100 cv de origem, potência que podia ser afinada para qualquer coisa como 130 cv! Hoje alguns clubes britânicos, nomeadamente o MG Car Club, ainda o aceitam nas suas diferentes gerações, inscrevendo-os nos múltiplos troféus que organizam anualmente com os seus sócios.
Num passado mais recente, o relançamento da imagem da agora chinesa MG Motor no difícil, mas importante, mercado britânico fez-se através da participação oficial no popular Campeonato Britânico de Carros de Turismo, vulgo BTCC, com a marca a inscrever vários MG6 nas temporadas de 2012 a 2016. Entre outros resultados de relevo, regista-se o título de Construtores de 2014, batendo a Honda na corrida ao ceptro, marca japonesa que estava apostada a conquistar o 5º campeonato consecutivo.
Resta-nos aguardar pelo que a marca poderá ter nos seus planos de futuro a médio prazo, neste particular.
Fotos: MG Motor / SAIC Motor / MG Cars (história) / Velocidade PT (Facebook) / Prodrive / BTCC