Os carros eléctricos que queremos, mas de que não precisamos
Vi os impressionantes números dos novos Tesla e senti uma mistura de entusiasmo e de alguma falta de respeito. Estou desorientado, estou confuso. Muito mesmo. Por um lado, entusiasmei-me porque gosto de carros rápidos e os novos Tesla prometem bater tudo e mais alguma coisa que se apresente com quatro rodas. E também porque gosto bastante dos Model 3 e Model S. Mas senti-me, igualmente, ofendido. E desorientado, volto a dizer. Uma vez mais, volto a frisar que reconheço a indubitável importância do carro eléctrico para o nosso ambiente – esqueçamos, por agora, a quase sempre desconhecida origem da energia eléctrica que alimenta os nossos equipamentos, lista onde se incluem, em cada vez maior número, os nossos automóveis – mas não posso aceitar que aquilo que o ambiente precisa é de automóveis eléctricos com 1100 cavalos e acelerações de 0 a 100 km/h em 2 segundos.
O motor térmico, cujos fabricantes e utilizadores são perseguidos e espremidos até à última grama de CO2 e até às milésimas do preço de um litro do combustível fóssil de que precisam, é o mais recente alvo a abater no mundo automóvel. A sua mais ínfima emissão nociva para o ambiente custa-nos muito dinheiro e por isso dizem-nos que o motor de combustão está, assim, condenado. No entanto, podemos continuar a prejudicar o ambiente se o compensarmos, pagando com mais dinheiro a alguém. Isto é um péssimo princípio. Mas dizem-nos, igualmente, que a mobilidade eléctrica, ainda cara, vem ajudar a resolver o problema e que é a solução de que precisamos. Então e essa conversa toda do ambiente? Ajudem-me, por favor, a perceber como é que beneficiamos o ambiente com um carro eléctrico de 1100 cv? É que estou mesmo desorientado. Quero muito acelerar a fundo num Tesla dos novos, mas se me voltam a fazer sentir mal por conduzir, ainda, um carro a gasolina, acho que perco a cabeça. Onde está a “lógica ambiental” de um carro assim? Não era preferível ter um Model S, 3 ou um mais pequeno ainda, com motor de 200 cavalos com mais autonomia ou também com uma bateria mais pequena e leve para manter a autonomia do actual, no lugar deste exagero? Vamos salvar o planeta com uma corrida louca pelo eléctrico mais potente e rápido que nele circula? Hipocrisia pura. Pelo menos é a ideia com que fico.
Condução autónoma e velocidade máxima superior a 320 km/h. Aquele compromisso…
Mais de 800 quilómetros é uma grande autonomia? Sem dúvida que sim. Mas e se em vez de 1100, tivesse 110 cavalos? Uma potência que chega para tudo e para todos. Não seria melhor? Que autonomia teria assim? Quão mais pequena, leve e barata seria a bateria de um eléctrico com um motor mais fraco, mesmo mantendo os 800 quilómetros de autonomia? Que autonomia teria este novo carro se não tivesse 1100 cavalos disponíveis debaixo do pé? Este não é um eléctrico amigo do ambiente. É um eléctrico amigo de quem gosta de carros e de velocidade. Isso não está errado, atenção. Mas amigo do ambiente? Desculpem-me, mas não vejo como.
E a tão defendida condução autónoma, é, assim de repente, outro embuste. Não sou contra a tecnologia, mas sou contra a ideia, cada vez mais suportada, de que só um cidadão preso ao passado pretende comprar um carro para o conduzir. “Que tosco, esse tipo. Isto é o futuro.” Esta é a ideia com que fico ao ler os iluminados comentários de alguns “imparciais” defensores do mundo eléctrico de Musk e da sua, indubitavelmente impressionante marca, tecnologia e feitos. Eu também sou fã. E se um dia comprar um eléctrico e começar a ter esta atitude para com quem ainda não o fez, ralhem comigo, por favor. É merecido. Ao que parece, o futuro é, então, dar o controlo da situação à tecnologia. Fascinante do ponto de vista da evolução, sem dúvida, mas será entusiasmante para quem, no seu direito, gosta de carros e de os conduzir? Não. Nada. Zero. Então por que razão o novo Model S consegue superar os 320 km/h quando conduzido, se o objectivo de muita da sua tecnologia é, principalmente, retirar o erro humano da equação de um potencial acidente? Se a condução autónoma é uma certeza e necessidade pela segurança de todos, então por que não limitar esses veículos ao valor máximo legal de velocidade em cada país? Isso sim, preservaria ainda mais a vida humana e o ambiente. E reduzem, também, a probabilidade de lesões graves caso tenham o azar da tecnologia não conseguir evitar um acidente com uma viatura mais antiga, de um condutor desactualizado que ainda utiliza um veículo pouco inteligente e amigo do ambiente, como já todos conduzimos no passado, mesmo os mais acérrimos defensores do avanço tecnológico.
Um dos carros que nos vai salvar dá 320 km/h, repito. Hipocrisia, repito, também. Que o admitam os fabricantes e que o admitam os seus fãs. Não vejo nenhum problema na sua performance. Vejo nela, sim, um argumento, apelativo, emocionante. Mas um argumento ambientalmente responsável? Pela segurança de todos? Não. Não vejo. O que vejo são expressões como: “recordes batidos”. É este o tipo de comentário que vejo e que nada teria de errado se fossem coerentes com aquilo que dizem defender ao conduzir um eléctrico. Assim, são só mais um, indivíduos que, como eu, gostam de carros e se entusiasmam com números. E isso não tem mal nenhum!
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Os números contam e vão contar sempre, justificados sempre pela procura de mais e melhor performance. Até mesmo nos eléctricos. Essenciais? Sim, claro que o são. Mas com estes números não são estes os carros que nos dizem que nos vão garantir um futuro mais limpo e sustentável. Não usem o ambiente e o planeta que tanto dizem respeitar como bode expiatório. Começa a roçar a falta de educação e o meu antiquado, poluidor, desrespeitador e negro carro a gasolina começa quase a ser mais eficiente do que estes falsos verdes. Esta não é a transição energética de que precisamos, é somente a que querem que queiramos. E como, admitamos ou não, gostamos de carros e de velocidade, eléctricos ou não, esta é, efectivamente, a transição energética que estamos a querer.