Elisabete Jacinto, a Guerreira Lusa dos Desertos
No artigo publicado há dias sobre a “Africa Eco Race” mencionámos a piloto portuguesa Elisabete Jacinto, “Guerreira Lusa dos Desertos” cujo palmarés e feitos permite-lhe ser detentora da melhor prestação portuguesa de sempre na maratona que tem lugar no noroeste africano: nada menos do que um 1º lugar na categoria de “Camiões” na memorável edição de 2019, alcançado num MAN TGS que dividiu com José Marques e Marco Cochinho, um feito que só não foi mais estrondoso porque a vitória absoluta na prova lhe fugiu por pouco mais de 3 minutos!
Licenciada em Geografia, com uma pós-graduação em ensino, e co-autora de várias publicações – entre elas alguns manuais escolares e o livro “100 Imagens, Algumas Histórias”, lançado em 2019, a meias com Jorge Cunha, o seu fotógrafo de eleição e autor de todas as imagens desta entrevista – Elisabete Jacinto viveu e respirou, ao longo de vários anos, os ares dos desertos, quase chamando de “casa” ao Norte de África. Atravessou esta inóspita mas também maravilhosa zona do planeta por várias vezes, primeiro de moto, antes do virar do século, passando, depois para a vertente oposta, a dos peso-pesados dos camiões, onde alcançou os maiores sucessos da sua carreira, muitos deles na Africa Eco Race, reforçando um merecido estatuto e aclamação entre os seus pares – maioritariamente do sexo masculino – nesta actividade que abraçou e que ama como poucas mulheres.
Pedimos-lhe que partilhasse com os seguidores da Garagem a importância que esta prova tinha para si, numa disponibilidade que se mostrou imediata, respondendo: “O Africa Eco Race é um importante evento desportivo no panorama internacional pois trata-se de uma das maiores maratonas de todo-o-terreno a nível mundial, tanto em termos de quilómetros e de dias de prova, como em número de inscritos. Para além disso, estas grandes maratonas associam duas vertentes importantes: a componente ‘corrida’ (que implica regras rígidas e obrigações) e a componente ‘aventura humana’, onde o improviso é condição necessária para a resolução de problemas, o que é fundamental para se chegar ao fim e atingir os objectivos dessa mesma ‘corrida’.”
Esta nossa entrevistada não deixou de recordar o elevado grau de exigência inerente a este tipo de provas, nomeadamente “a grande extensão do evento (em termos de quilómetros diários e totais e número de dias) e o facto de se desenrolar em terrenos inóspitos, colocando muitas dificuldades, não só de condução, mas também ao nível da ‘sobrevivência’ física”, sublinhando que “o cansaço extremo marca presença neste evento do principio ao fim e é comum a todos os envolvidos (equipas e organização)”.
“Naturalmente, o ser humano necessita de aventura e de procurar situações de superação que a sociedade moderna lhes vai vedando. Essa aventura e esse sentimento de superação é encontrado neste ambiente de corrida, onde as condições naturais são adversas e, em confronto com situações de cansaço extremos, temos de ir encontrando soluções para todos os problemas que nos vão surgindo”, impactando não só as pessoas que a vivem como os que a seguem através dos meios de comunicação.
“Mas não só, pois esta maratona tem impacto ao nível das populações locais, pelo consumo de bens e serviços associada à passagem da caravana, como, também, pela divulgação mediática dos locais atravessados, como países seguros, com paisagens magníficas, etc, gerando um grande impacto em termos turísticos e económico”, acrescentou.
De 2010 a 2019: Nove anos de batalhas e conquistas
Exemplo de pioneirismo, liderança e coragem, Elisabete Jacinto foi, assim, a primeira mulher, em todo o planeta, a desafiar as dunas e areias do deserto ao volante de um camião, na sequência de provas de TT anteriores feitas na vertente das duas rodas. Ao volante destes monstros de grande envergadura e potência – Mercedes-Benz, Renault e MAN, a partir de 2006 – alcançou resultados memoráveis, que lhe valem um vasto currículo desportivo, construído nos grandes eventos internacionais. Dos múltiplos Dakar, ao Aicha des Gazelles, passando pela Baja de Aragón ou nos ralis TT da Tunísia e de Marrocos, foi em 2010 que Elisabete Jacinto passou a apostar no Africa Eco Race, prova que viria a vencer em 2019.
Do seu palmarés nesta maratona africana constam, também, dois 2ºs lugares (2011 e 2012) e três 3ºs (2013, 2014 e 2016). Apesar deste bem sustentado palmarés e do brutal 1º lugar em 2019, ainda assim a piloto luso seria uma das muito notadas ausências da edição de 2020, ao não conseguir ver reunidas as condições financeiras necessárias para participar na prova e defender esse seu ceptro.
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Com Marco Cochinho participou em todas as edições do Africa Eco Race, fazendo com José Marques as últimas 9 edições, em substituição de Álvaro Velhinho, na que ainda é uma das mais assíduas formações desta maratona de resistência de todo-o-terreno. Na sua derradeira participação, contou ainda com Jorge Gil como Director de Equipa e com Sérgio Cardoso e Hélder Anjos, respectivamente como condutor e mecânico do “Kat”, o camião da sua equipa de assistência.
(Ainda) sem o deserto no seu horizonte de 2022
Quando falta praticamente 1 ano para a Edição #14 da Africa Eco Race, está ainda por saber se há condições para se preparar um projecto verdadeiramente válido para 2022, trazendo de volta aos desertos a nossa mais ilustre representante, uma vez mais na categoria de pesos-pesados e entre a facção feminina.
Definindo-se como “empenhada, concentrada e ambiciosa”, move-a “a vontade de atingir o topo na carreira desportiva. É o sonho de qualquer desportista, ganhar!”, referiu-me, em tempos, noutra entrevista que lhe fiz, objectivos que gostaria de conseguir manter vivos, embora a actual realidade que vivemos lhos limite, impedindo um regresso ao activo a curto prazo, como nos confidenciou: “Gostaria muito de reunir condições para voltar a participar no Africa Eco Race mas a actual conjuntura económica não me permite ter uma perspectiva se tal é, ou não possível”, referiu-nos, evidenciando algum natural desalento.
Mas, como diz o poeta, “enquanto há vida há esperança”, pelo que vamos pensar positivo – como em tudo o resto que nos rodeia no presente – e esperar que o discurso lá mais para o final do ano possa ser outro e que, assim, possamos ter de volta aos lugares onde merece estar, o deserto e os topos dos pódios! Portugal voltaria, decerto, a ficar muito orgulhoso!
Fotos: AIFA/Jorge Cunha